REFORMA TRABALHISTA ARGENTINA SEGUE A BRASILEIRA: FACILITA DISPENSAS, AMPLIA INFORMALIDADE E REDUZ SINDICATOS

Rodrigo Trindade

Seguindo a prometida agenda ultraliberal, o presidente argentino Javier Milei propôs ampla reforma trabalhista, integrada a seu mega decreto de três centenas de artigos para desregulação total da economia. No Decreto de Necessidade e Urgência (DNU 70/2023), há revogação de diversas leis e introdução de novas regras precarizantes. Muito parecida com a Reforma Trabalhista Brasileira, afeta pontos como indenizações por dispensa, trabalho informal, jornada de trabalho e direito de greve. Caso sejam implementadas, as mudanças devem trazer profundo impacto, com severas reduções nos direitos trabalhistas e na atividade sindical.

Esses são os 10 principais pontos da Reforma Trabalhista Argentina

1. Indenizações por dispensa

A reforma reduz a base de cálculo das indenizações por dispensa sem justa causa. O empregado passa a receber indenização equivalente a um salário mensal por cada ano trabalhado. Outros benefícios não são incluídos, como parcelas pagas fora do módulo mensal, bem como tickets de cesta básica, vales alimentações e outros benefícios. Caso a dispensa seja considerada discriminatória (por exemplo, por identidade de gênero), o juiz pode ampliar a compensação em até 100%, dependendo da gravidade, mas não há direito à reintegração.

Também prevê a criação de fundo alternativo para pagamento das indenizações, constituído por aportes do empregador, no equivalente a 8% do salário. Por fim, cria opção de sistema privado de capitalização para cobrir indenizações acertadas por encerramento contratual por acordo.

2. Empregados não registrados

O DNU revoga a legislação que impõe penalidades por não registrar empregados – prática que na argentina é chamada de trabajo en negro, e no Brasil corresponde a emprego informal.

A Reforma Argentina revogou a norma que duplicava o valor da indenização de dispensa sempre que o contrato estava informal ou com registro deficiente. Também acabou com as multas por registrar remuneração menor que a real e por anotar data de ingresso posterior à efetiva.

Na prática, a proposta de Milei valida fraudes no vínculo de emprego, impede punições de empregadores faltosos e estimula a informalidade.

3. Trabalhadores autônomos

Entre os pontos mais controversos está o que modifica a presunção de existência de contrato de trabalho no caso de prestação de serviços com pagamento periódico. Os trabalhadores autônomos com faturamento periódico para uma empresa não poderão alegar “relação de dependência”.

Além disso, cria a figura do “trabalhador independente com colaboradores”, permitindo a contratação de até cinco trabalhadores como colaborares, sem que isso gere um vínculo de emprego.

4. Proibição de contribuições sindicais não autorizadas

Empregadores não poderão efetuar descontos de contribuições sindicais, sem autorização escrita dos funcionários.  A medida tende a criar um abrupto desafio para que entidades sindicais mantenham atividade.

5. Período de experiência

Há ampliação do período contratual de experiência, que passa de três para oito meses. Durante esse tempo, tanto empregado quanto empregador podem dar por terminada a relação, sem aviso prévio nem pagamento de indenizações. Permite, assim, relações laborais mais curtas, com dispensa facilitada e ampliação da rotatividade no mercado laboral.

6. Jornada de trabalho

Ampliam-se oportunidades de definição pontual de produção e condições laborais para cada atividade. Flexibiliza-se a jornada de 8 horas diárias e 48 semanais, abrindo opções de bancos de horas e eliminação de pagamento por jornadas extraordinárias.

7. Licença maternidade

Prevê redução do período mínimo de licença pré-parto, de 30 para 10 dias.

8. Execução das sentenças trabalhistas

Permite o parcelamento das condenações judiciais, com prazo de até 12 meses. As custas judiciais são limitadas a 25% do valor da sentença e há redução dos juros das indenizações resolvidas por meio de processo trabalhista. O critério de atualização dos créditos trabalhistas é crucial porque os processos de demissão podem durar de cinco a seis anos e, em um contexto de alta inflação como o atual, as indenizações perdem poder de compra.

9. Greve

O DNU passa a considerar greves, ocupações e bloqueios, em certas condições, como “injúria grave”, podendo resultar em dispensa do empregado envolvido. Também os sindicatos podem ser sancionados.

Durante as greves, as atividades essenciais devem garantir mínimo de 75% nos serviços, incluindo educação e transporte. Também há criação da categoria “atividades de importância transcendental”, com cobertura mínima de 50%. Há uma longa lista de setores, e que deixa pouca margem fora de seu alcance.

10. Fim da ultratividade

Ultratividade é prevista na Ley n. 14.250 e estabelece que condições asseguradas em normas coletivas se mantêm aplicáveis, após encerramento da vigência, enquanto novo convênio não for firmado entre as entidades coletivas. O Decreto de Milei questiona esse conceito, dizendo que uma convenção coletiva cujo término tenha expirado, manterá apenas as normas referentes às cláusulas normativas. As demais cláusulas (obrigacionais) poderão permanecer em vigor apenas por acordo entre as partes ou por prorrogação específica determinada pelo Poder Executivo Nacional.

Vigência

O DNU foi publicado em 21 de dezembro no Boletim Oficial, sem especificar a data de início da vigência. Seguindo-se o art. 5º do Código Civil y Comercial, a normativa começa automaticamente a ser aplicada em oito dias – 29 de dezembro.

Também há possibilidade do Congresso Argentino rejeitar o normativo. Há um prazo de 10 dias para enviar à Comisión Bicameral Permanente de Trámite Legislativo do Congresso Argentino, o qual tem outros 10 dias úteis para emitir parecer e enviar para as duas casas legislativas. Senado e Câmara dos Deputados apenas podem invalidar o decreto por maioria absoluta (a metade mais um dos presentes), mas não podem introduzir emendas ou modificações.

NOSSA REVISÃO

Milei assegurou que deseja desmantelar “la indústria del juicio” e prometeu que gerará mais fontes de trabalho.  A Reforma Trabalhista Argentina possui conjunto impressionante de pontos de contato com a Brasileira.

Primeiramente na justificativa fantasiosa de que a redução de direitos laborais, aceitação da informalidade e facilitação de dispensas são elementos que tendem a ampliar contratações. Segue a ideia de que empresários chamam empregados quando fica mais barato despedir. No mundo real, postos de trabalho não são insumos nem oportunidades de consumo. A criação de empregos é determinada, essencialmente, pelas condições econômicas, não porque está barato contratar.

Também há aproximação em muitos conteúdos, notadamente a flexibilização de jornada, facilitação de dispensas, redução da atuação sindical, âmbito das normas coletivas e diminuição de direitos trabalhistas para mulheres.

A Constituição argentina é muito mais tímida que a brasileira no tema de direitos sociais, mas possui importantes dispositivos que podem chamar à inconstitucionalidade. Em seu artigo 99 está proibição do presidente de criar leis, com exceção de situações de emergência. O DNU é permitido somente em “circunstancias excepcionales”, em que o Congresso estaria impedido de seguir com seus “trámites ordinarios”. Milei justifica que a situação econômica argentina é catastrófica e há necessidade de legislar por decreto, desregulamentando, retirando proteções, eliminando direitos e excluindo punições de quem descumpre a lei.

A reforma proposta enfraquece o sistema de direito trabalhista na Argentina, e o faz prometendo modernização e ampliação do mercado de trabalho. Sua irmã espiritual, a brasileira, não entregou quase nada do que prometeu mas, pelo menos, foi chancelada no Parlamento. A argentina traz toques ainda mais antidemocráticos e, como em letras de tangos, chama à emergência e desespero passional. Não corre o risco de dar certo.

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