AUMENTAR A INFORMALIDADE É A PIOR MEDIDA POSSÍVEL AO MERCADO DE TRABALHO NACIONAL

A repetição do bordão “mais empregos e menos direitos é preferível a mais direitos e menos empregos” não é apenas maniqueísta e superficial; é, essencialmente, errada.

Rodrigo Trindade

 

O Brasil tem o povo mais informal do planeta. Talvez moremos na única porção de terra em que seja possível nutrir longas amizades desconhecendo sobrenomes. Aliás, apelidos são mais comuns por aqui que em qualquer outro lugar. Brasileiro, beija, abraça e confidencia a quem acabou de conhecer; chama para dentro de casa e alarga relações de amizade com uma facilidade que inveja a estrangeiros de todas as melaninas.

Essa é a informalidade do bem.

Informalidade do mal é a que alimenta o mercado e, basicamente, se apresenta de duas formas. De um lado, com empregados desabrigados do registro de carteira, e consequentemente da rede de benefícios trabalhistas e previdenciários que são consequentes. De outro, estão empresários piratas, sem cadastro de pessoa jurídica, alimentando fraudes fiscais, promovendo insegurança em produtos e prejudicando a justiça concorrencial. A soma de ambos produz mercado consumidor debilitado e insegurança no trato comercial.

A recente declaração de amor pela informalidade (a do mal) agonia de verdade. Sem preocupação em minimamente aprofundar e exemplificar, segue-se repetindo o bordão de que é preferível ter emprego e menos direitos a possuir mais direitos e ficar sem emprego. Isso não é apenas maniqueísta e superficial; é, essencialmente, errado.

Há poucos consensos entre economistas, mas um deles é de que o que faz gerar trabalho não é a facilidade de contratar, mas o aquecimento da economia. Durante os anos de pleno emprego no Brasil (aproximadamente, entre 2012 e 2014), a legislação trabalhista era a que, agora, é dita impeditiva de novas contratações. Simplesmente não faz sentido.

Mas um mau Direito do Trabalho pode, sim, atrapalhar. Nesse primeiro ano de vigência da Reforma Trabalhista (marcada principalmente pela diminuição de direitos e formação de diques para reclamações judiciais), o desemprego segue alto e estagnado, mantém-se a imoral rotatividade, e os raros postos gerados são dos contratos – altamente precarizados – intermitente e a tempo parcial. Recentemente, tivemos a comprovação de novo efeito: recorde de ocupação de cargos abaixo da qualificação do trabalhador.

A saída da CLT também cresceu. Muito diferente da glamourizada figura do sujeito empreendedor, satisfeito e dono de seu tempo, o perfil do trabalhador autônomo brasileiro é de despedido que se vê obrigado a aceitar bicos inseguros, de baixa remuneração e, quase sempre, ao desabrigo da Previdência Social.

A Espanha está aprendendo com a dor. Após tentar – e não conseguir – combater a crise com redução de direitos trabalhistas, no 2º semestre de 2018, alterou completamente a estratégia e acaba de aumentar em 22% seu salário mínimo. É a maior subida desde 1977. Segue a experiência portuguesa, que rejeitou conselhos de austeridade, e tornou-se novo exemplo europeu de crescimento e distribuição de riqueza.

Ou seja, cortar direitos nem aquece o mercado de trabalho, nem aumenta a renda, justamente o contrário. Tudo isso por um motivo central. É exatamente a retirada de direitos trabalhistas que tende esfriar a economia, diminuir o poder de compra das famílias, dificultar obtenção de crédito e reduzir arrecadações estatais.

 

É difícil viver

Não é fácil ser empresário no Brasil. Mas devemos perquirir onde está o desequilíbrio e a injustiça de tratamento.

A convivência facilitada com as fraudes trabalhistas e previdenciárias prejudica a maioria de bons empresários, que pautam suas condutas pelo cumprimento da lei. Veem-se, assim, obrigados a batalhar em mercado viciado pelos colegas que reduzem custos a partir da economia do calote no recolhimento de impostos e inadimplementos de direitos sociais. Dificultar acesso ao Judiciário ajuda, mas apenas àqueles que economizaram fraudando e seguem impunes.

Ser empregado também está longe das tarefas agradáveis. Bem se vê no ainda gigantesco volume de processos judiciais trabalhistas. Não surgem a partir da criatividade de advogados, mas pelo não pagamento de direitos trabalhistas básicos, como verbas rescisórias, horas extras e FGTS. E tendo por base média salarial ainda muito baixa, mesmo se comparada a dos vizinhos sul-americanos. Isso sem falar nos acidentes e doenças ocupacionais, quase sempre gerados pela economia em proporcionar condições seguras e saudáveis de serviço.

É difícil ser empresário no Brasil. Verdade, mas tanto como é difícil ser empregado. Não porque há desequilíbrio jurídico no tratamento da relação, mas em razão da cultura da fraude/informalidade. Se o objetivo for de governar para todos e superar dificuldades e demagogias, é importante começar a ver os problemas mais de perto. Sem apelidos e sem bordões.