artigos

NÃO HÁ COMO FUGIR: O JUDICIÁRIO FICARÁ CADA VEZ MAIS VINCULADO À INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

A previsão é do Presidente da Suprema Corte dos EUA, que percebe a IA como resultado de um longo e exitoso caminho na introdução de novas tecnologias para o trabalho judicial. Mas também alerta que há um espaço cuidadoso e bem delimitado a ser preenchido por sistemas informatizados.

Rodrigo Trindade

Entre as muitas tradições da US Supreme Court está a mensagem de final de ano, produzida por seu presidente, e endereçada a todo o sistema judicial do país. No texto deste ano, o magistrado John G. Roberts focou na tecnologia. Produziu um grande apanhado da evolução no uso de equipamentos de informática no judiciário nacional e terminou por concluir que a inteligência artificial chegou para ficar.

Em muitos casos, a chegada de novas tecnologias pode transformar drasticamente o trabalho e a vida para melhor. É com essa frase que Roberts inicia O texto, e rememora como a introdução de tecnologias de informática, há muitos anos, vêm facilitando a vida de juízes e advogados dos Estados Unidos. Recorda que há 35 anos o Judiciário Federal dos EUA deu os primeiros passos na era da moderna tecnologia de informação: em 1989, o ramo finalmente forneceu computadores pessoais para os gabinetes de magistrados.

Mas não foi nada fácil a introdução da nova tecnologia. Diferente de muitas profissões, a atitude predominante do Judiciário foi de ceticismo. Em 1980 a Suprema Corte finalmente aposentou sua velha prensa de impressão de chumbo quente, substituindo por máquinas de fotocópia. A partir de então, houve um crescente de aplicação de tecnologias de informática, começando pelo Courtrain – uma plataforma que, desde 1967, armazena e distribui dados entre tribunais – até que, no início dos anos 1990, a maior parte de advogados e juízes passou a usar computadores pessoais.

Em seu apanhado, Roberts vê que bons frutos estão sendo produzidos. Hoje, em vez de vasculhar caixas de papéis em armazéns empoeirados, os advogados realizam revisões de documentos em seus escritórios, ou até mesmo de suas mesas de jantar.

Também os julgamentos são vistos como bastante diferentes, se comparados com a década anterior. Softwares de apresentação em julgamentos, relatórios em tempo real, acomodações para jurados, partes e espectadores com deficiências, e muitas outras aplicações mudaram radicalmente a forma como são apresentadas provas nos tribunais.

A pandemia COVID-19 trouxe uma nova onda de inovação tecnológica, segundo o Presidente da Corte. Em todos os níveis do Judiciário se passou à realização de audiências remotas, tanto cíveis como criminais. De soluções temporárias, tornaram-se meios usuais, consolidando ganhos de eficiência, sem comprometer importantes direitos legais e constitucionais.

Com essa longa introdução, o magistrado reconhece a inteligência artificial (IA) como o novo passo, a mais recente e promissora fronteira tecnológica. Mas Roberts rejeita o deslumbramento. Sopesa, de um lado, a fabulosa ampliação de acesso a informações relevantes para profissionais do Direito; e, de outro, percebe o risco da IA na invasão a interesses de privacidade e desumanização da lei.

Zonas cinzentas são para humanos

Em jogos de tênis, tecnologia ótica substituiu – com enorme ganho de eficiência – os juízes humanos de linha. Mas isso porque a bola ou toca ou não toca a linha. Em contraste, as determinações legais frequentemente envolvem áreas cinzentas que ainda exigem aplicação do julgamento humano.

É por isso que Roberts reconhece máquinas como incapazes de substituir completamente atores-chave no tribunal, os quais seguem como encarregados de valorar comportamentos humanos. Recorda que a função essencial das cortes revisoras está na avaliação do tribunal inferior ter abusado de seu poder discricionário, conhecendo áreas cinzentas na análise de fatos. E aí não há espaço para IA.

O magistrado encerra com mensagem otimista, vendo com bons olhos o trabalho judicial – especialmente no nível de julgamento – ser significativa e continuamente afetado pela IA. São mudanças que envolvem não apenas a forma como os juízes realizam seu trabalho, mas também como eles compreendem o papel que a IA desempenha nos casos que chegam até eles.

Nossa revisão

O texto da maior autoridade do Judiciário dos EUA aplica-se em grande parte para o ambiente judiciário brasileiro.

Na atualidade, o Brasil se apresenta como uma das nações mais avançadas no uso de ferramentas de informática em seu Judiciário, incluindo aplicações de inteligência artificial. Há dois importantes motivadores para isso: Primeiramente, em razão do enorme volume de processos no país – espalhados por todos os ramos do Judiciário e, particularmente, com um gigantesco espaço de recorribilidade. Em segundo lugar, pela frequência de processos repetitivos, decorrência direta da cultura de inadimplência, delinquência e falta de efetividade nas medidas corretivas individualizadas.

Em muitos países, a produção de ações massificadas em escala industrial vem chamando enfrentamentos que ultrapassem a ineficaz tradição artesanal. É por isso que grande parte do escopo das ferramentas de IA no Judiciário Brasileiro é de triagem de processos por similaridade. Com sucesso, os Tribunais Superiores brasileiros (STF, TST e STJ) já utilizam seus agrupadores, permitindo julgamentos mais rápidos, coerentes e homogêneos para situações idênticas. Também os tribunais estaduais e regionais começam a utilizar esses instrumentos, na busca de eficiência e economia de recursos.

Resposta às demandas de massa: esse parece ser o lugar de destaque para a emergência do uso de IA no Judiciário Brasileiro. Muito longe da fantasia do “juiz-robô”, trata-se de uma solução emergencial, capaz de assegurar julgamentos menos lentos, e sempre com a sensibilidade necessária a cada caso.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *