Falsidades documental e testemunhal na Justiça do trabalho (18/01/2017)

Crimes na Justiça do Trabalho?

Por Rodrigo Trindade

(Publicado em 18 de janeiro de 2017)

Hoje recebi e-mail com cópia de manual de instruções de ponto eletrônico que ensina direitinho como fraudar as marcações. Tem até vídeo-tutorial. Assim, na cara de pau, mesmo. Pouca gente sabe, e outros tantos fazem que não sabem, mas fraudar registro de jornada é crime.

Aliás, o que não falta é criminalização por diversas fraudes cometidas no cotidiano das relações de trabalho. O que falta, de verdade, é punição.

Os mais comuns são falsificação de documento público, art. 297 do CP (p. ex, registro de salário inferior ao pago na CTPS); falsificação de documento particular e uso de documento falso, arts. 298 e 304 do CP (p. ex, cartões de visita, carimbos e declarações falsificadas); falsidade ideológica e uso de documento falso, art. 299 e 304 do CP (p. ex, adulteração de ponto); falsidade de atestado médico, art. 302 do CP (p. ex., atestar comparecimento inverídico no dia da audiência, para afastar confissão ficta); supressão de documento, art. 305 do CP (p. ex., sumir com ficha de registro de empregado) e frustração de direito assegurado por lei trabalhista, art. 203 do CP (p. ex, não pagar salário ou horas extras).

E há os que nem precisam de exemplos, como falso testemunho (art. 342 do CP), apropriação indébita de salário (art. 7º, X da Constituição e art. 168 do CP), apropriação indébita previdenciária e sonegação previdenciária (art. 168-A e 337-A do CP).

Tem ainda uns meio desconhecidos, mas tristemente recorrentes. Assim vão os de redução à condição análoga à de escravo (arts. 146 a 149 do CP), violação de correspondência (art. 152 do CP), divulgação de segredo e violação de segredo profissional (arts. 153 a 154 do CP), crime de dano (art. 165 do CP), estelionato (art. 171 do CP), violação de direitos autorais (art. 184 do CP), assédio sexual (art. 216-A do CP) e tráfico de pessoais para exercício de prostituição art. 231-A do CP).

Não precisamos ingressar em intelectualóides conjecturas sociais, históricas e étnicas para reconhecer que construímos vergonhosa cultura de não aceitar observância voluntária da lei e que encontrar “jeitinhos” tergiversantes é moralmente aceitável. A prática constante de crimes cometidas no âmbito das relações de trabalho – e que costumam ficar sem punição adequada – é resultado disso tudo.

Polícia Federal e Ministério Público Federal têm funções essenciais, mas precisamos dividir responsabilidades. Simplesmente não há prestação jurisdicional eficaz se fechamos os olhos para práticas que maculam o ofício e relativizam a correta distribuição da justiça. Apesar de ainda não contarem com competência penal (o que acho que ajudaria muito a resolver), juízes do trabalho têm função essencial na luta contra todas essas fraudes.

Mas o combate à falsidade não deveria partir (apenas) dos próprios interessados ou prejudicados? Nada disso. Mais que qualquer empregado ou empresário, a própria Justiça do Trabalho é a maior prejudicada pela falsidade. A mentira testemunhal e a falsificação documental provocam diversos males, e que vão bem além do processo individual. Aí vão apenas alguns:

* Dissipam o escasso tempo de juízes e servidores, tanto em audiências como em longas análises documentais.

* Desperdiçam recursos públicos investidos na jurisdição.

* Prejudicam a entrega célere e eficaz da jurisdição, a evolução do Direito e pacificação das relações laborais.

*Alimentam visões preconceituosas a respeito da Justiça do Trabalho e induzem iniciativas de precarização estrutural.

* Promovem desproporcional e injusto benefício àqueles que mentem e falsificam, em prejuízo aos que atuam de forma ética.

Enfim, a sustentação consciente da inverdade e a falsificação de documentos, seguida de vitória processual, significam, não apenas equivocada atuação do juiz, como estimulam a perpetuação da prática, em um ciclo viciado de compensação da artimanha, da chicana e da mentira. Esse tipo de cresça deslegitima a autoridade judicial, desagrega laços comunitários e dificulta a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Ou seja, é tudo de ruim.

A associação dos juízes do trabalho do Rio Grande do Sul (Amatra4) está desenvolvendo cartilha prática para atuação das chamadas “funções penais periféricas do juiz do trabalho”. Com ela, serão relacionados os crimes de maior ocorrência nos processos trabalhistas e sugestões de posturas que podem ser adotadas diante das práticas identificadas. Não vai resolver, mas deve ajudar.

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