Entrevista ao Jornal Pioneiro: contribuição sindical
“O trabalhador precisa se manifestar individualmente”, diz magistrado sobre o desconto da contribuição sindical
Para o presidente da Amatra IV, Rodrigo Trindade de Souza, falta de clareza na Reforma Trabalhista gera impasse sobre a validade das assembleias para aprovar o pagamento do imposto
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Nas últimas semanas, diversos sindicatos da região votaram em assembleia a autorização para o desconto da contribuição sindical, que se tornou facultativa após a promulgação da Reforma Trabalhista. Alguns deles, inclusive, começaram a notificar por meio de edital as empresas sobre a realização do pagamento.
Entre os argumentos utilizados pelas entidades para embasar a postura adotada está o de que a 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, organizada pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), em enunciado publicado em outubro do ano passado, menciona que “é lícita a autorização coletiva prévia e expressa para o desconto das contribuições sindical e assistencial mediante assembleia geral”.
O presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região (Amatra IV – Rio Grande do Sul), Rodrigo Trindade de Souza, salienta que os enunciados divulgados na jornada não são vinculantes. Ou seja, os juízes não têm a obrigação de segui-los. Para o magistrado gaúcho, a falta de clareza do texto da Reforma Trabalhista é a responsável por gerar o impasse sobre a validade ou não dos resultados das assembleias.
Segundo Trindade Souza, o trabalhador tem direito de decidir, individualmente, se deseja realizar o desconto equivalente a um dia do salário na folha de março.
Pioneiro: Qual é a jurisprudência sobre a contribuição sindical após a Reforma Trabalhista?
Rodrigo Trindade de Souza: O que temos hoje na legislação é a regra clara de que a contribuição sindical somente é paga por aquele trabalhador que aceitar voluntariamente fazer o pagamento. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Supremo Tribunal Federal (STF) tinham, antes da vigência da Reforma Trabalhista, uma jurisprudência bem sedimentada dizendo que não é possível a assembleia cobrar dos não sindicalizados qualquer tipo de contribuição, além da contribuição sindical. Porque, quando a jurisprudência foi formada, a contribuição sindical era obrigatória. Logo, entendiam os tribunais superiores que não tinha por que os sindicatos cobrarem outras parcelas para seu custeio daqueles que não são sindicalizados. Agora, isso é diferente. A situação que se coloca é esse fim abrupto da (obrigatoriedade da) contribuição sindical. Não ter sido feito de forma progressiva (o fim), vai significar a inviabilização de um órgão previsto na Constituição Federal. A Anamatra tem posição firmada de que a contribuição sindical não deve ser obrigatória, porque (a obrigatoriedade) é contrária a orientações, a tratados internacionais da Organização Internacional do Trabalho. Mas também, no meu entendimento pessoal, essa não obrigatoriedade da contribuição não podia ter sido feita de forma abrupta. Deveria ter sido feita forma sequenciada, para que se desse oportunidade para o sindicato criar outras fontes de renda. A conta que tenho até agora é de oito ações diretas de inconstitucionalidade que estão no STF, que buscam reconhecimento de inconstitucionalidade desse dispositivo da Reforma Trabalhista. Uma delas é manejada, inclusive, por uma entidade patronal. Porque a reforma extingue obrigatoriedade da contribuição não só para os trabalhadores, mas para as empresas também.
No seu entender, a assembleia é válida para decidir pelo desconto da contribuição sindical?
Como sou juiz, não posso te dar uma opinião sobre uma matéria que eu posso vir a julgar. A jurisprudência atual diz que o sindicato não pode cobrar nada dos trabalhadores não sindicalizados de forma obrigatória sem que eles aceitem voluntariamente e individualmente, a não ser a contribuição sindical. Mas, atualmente, a contribuição sindical não é mais obrigatória. Então, nesse novo panorama que temos, de o sindicato não ter mais como se sustentar sem o estabelecimento de uma contribuição definida em assembleia para todos os trabalhadores, sem necessitar de aceite individual, existe a possibilidade de a jurisprudência ser alterada.
De um lado, uma série de sindicatos de trabalhadores aponta que a assembleia pode decidir o recolhimento da contribuição. De outro, os sindicatos patronais dizem que só reconhecem o desconto daqueles autorizarem individualmente. A lei dá margem para interpretações tão distintas?
Toda a Reforma Trabalhista é muito confusa. Ela foi mal escrita, tem expressões inadequadas, termos confusos e tudo isso vai gerar grandes confusões e aumento de litigiosidade. Fatalmente, esse tipo de disputa, de demanda gerada pela falta de clareza da lei, vai gerar centenas ou milhares de ações. E o Judiciário vai ter que decidir sobre isso. A lei deixa a interpretação não clara em praticamente todos os pontos, porque ela é realmente muito ruim.
A autorização para desconto da contribuição sindical deve seguir a algum modelo específico?
Formalmente, o trabalhador precisa manifestar individualmente que aceita o desconto da contribuição sindical. Um formulário muito simples, uma declaração muito simples assinada por ele é suficiente. E é importante que os trabalhadores façam isso. Porque o sindicato atua para eles, atua na defesa do direito dos trabalhadores e precisa ter condições econômicas para se manter.
O trabalhador de uma categoria que aprovou em assembleia o desconto pode se opor ao pagamento?
Certamente, enquanto não for esclarecido se a assembleia tem realmente a possibilidade de estabelecer descontos prescindindo da autorização individual do trabalhador. E se a empresa fizer esse desconto sem autorização individual dele, ele pode buscar na Justiça a restituição dos valores. Olha o problema que isso causa. A assembleia manda descontar, o trabalhador não assina o documento individual e a empresa faz o desconto, o trabalhador vai buscar a restituição dos valores com a empresa, porque foi a empresa que descontou os valores do salário dele. Então é uma situação extremamente incerta para o empresário também. A falta de clareza da lei está criando problemas para os sindicatos, os trabalhadores e as empresas.
O trabalhador que não quiser realizar o desconto deve comunicar a empresa ou o sindicato?
À empresa é suficiente.
Pelo caráter facultativo da contribuição, o trabalhador não teria que se manifestar apenas se quisesse contribuir ao invés de se manifestar pela oposição à contribuição?
Esse, de fato, é o problema da falta de clareza. A lei parece que orienta que o trabalhador deve aceitar a realização do desconto, portanto, deveria apresentar um tipo de documento (autorizando o desconto).
No Rio Grande do Sul já se tem ações julgando a validade ou não da aprovação do desconto via assembleia?
Começa a se chegar. Não há decisão no nosso (Tribunal) Regional (do Trabalho) sobre isso. Creio que não há decisão. Mas isso é muito rápido. Vai estourar sim (uma onda de ações). Vai ter muito processo, milhares de processos sobre isso.