Artigo jornal Correio do Povo: Trabalho terceirizado? “Não era comido!”

TRABALHO ESCRAVO TERCEIRIZADO? NÃO ERA COMIGO!

Rodrigo Trindade de Souza[1]

Semana passada, houve mais um flagrante de trabalho escravo em confecção paulista contratada por marca de roupas chiques. Dessa vez, cinco bolivianos foram resgatados. Ali, todos – incluindo menina de 14 anos – trabalhavam mais de 12 horas diárias e viviam em condições degradantes, “situação famélica”, resumiu um dos fiscais.
As estórias já são antigas, se repetem e não têm nada e bonito. Costumam ser pequenas empresas terceirizadas que chamam homens e mulheres de baixa instrução e praticam diversas ilegalidades para poder oferecer preços menores.

Mas há outra reincidência – a da justificativa. Em nota, a contratante afirmou que “a empresa cumpre regularmente todas as normas do ordenamento jurídico “. Ou seja, é culpa da terceirizada, não via, não fiscalizava, “não-era-comigo”.

A desculpa também não é nova. Podia citar Pilatus, mas pulemos vinte séculos. Em Nuremberg, os nazistas falaram coisas parecidas: matança industrial de gente não era bem o meu setor, nunca perguntei sobre os vagões, “não-era-comigo”. Nos processos de corrupção, donos de empreiteiras adoram dizer que eram gerentes irresponsáveis os molhadores de mãos, “não-era-comigo”.

É contigo, sim.

Terceirização inconsequente não é necessidade irresistível de quem se dispõe à sofrida tarefa de ser empresário. Terceirizar é opção administrativa semi-legalizada que, essencialmente, serve para melhorar rentabilidade. Muito bem querer aumentar o lucro, mas pensemos em meios mais saudáveis.

Serviço terceirizado paga salários inferiores, produz muito mais acidentes, inclusive com óbitos, e gera imensidão de processos trabalhistas. Isso sem falar no troféu de escravidão contemporânea.

Hora de assumir o risco de ter dedinhos decepados e infâncias reduzidas como itens das etiquetas. Também aceite precarização de direitos, abarrotamento do Judiciário e amplo inadimplemento de dívidas trabalhistas no objeto social. Isso tudo, sem falar no troféu da exploração de escravos contemporâneos.

Apenas não diga “não-era-comigo”.

 

[1] Professor e Presidente da AMATRA IV – Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *