VAZAMENTOS INDICAM QUE UBER PAGOU POR ESTUDOS UTILIZADOS EM CAMPANHAS DE LOBBY

Acadêmicos europeus e americanos de alto nível foram bem pagos para produção de estudos utilizados nas campanhas de lobby da empresa e para alimentar a imprensa.

Rodrigo Trindade

Segundo reportagem do Guardian, a Uber pagou centenas de milhares de dólares a acadêmicos de alto nível na Europa e Estados Unidos para que produzissem relatórios usados como parte de campanhas de lobby para promoção pública do modelo de negócio da empresa.

Uber Files, como chama o jornal britânico, contém milhares de documentos confidenciais vazados, e que revelam acordos lucrativos com diversos líderes acadêmicos para que publicassem pesquisas promotoras de benefícios da organização da gigante tecnolótica. Os relatórios eram, então, integrados no debate sobre normatização da Uber em cidades chave pelo planeta.

Usando técnicas comuns em campanhas políticas, professores de Economia foram alvos na França e Alemanha. No primeiro país, acadêmico pago com € 100.000,00 para prestar consultoria teve relatório citado em 2016 pelo Financial Times. O resultado do esforço de cooptação universitária foi o que o jornal londrino chama de construção de uma narrativa positiva de criação de trabalhos bem pagos, apreciados por motoristas e com entrega de transporte barato aos consumidores.

Ainda segundo o Guardian, os documentos mostram como os lobistas planejaram o uso de pesquisas acadêmicas como parte de uma cadeia produtiva de munição habilitada a alimentar políticos e imprensa.

Entre estudos patrocinados, o jornal cita um em que executivo da Uber reconhecera como bastante benéfico para a tese sobre criação de novos tipos de trabalho na Europa, especialmente porque a empresa decidia quais os dados que compartilharia com os autores. Como consequência, o relatório indicou pagamentos de € 19,90 por hora, mas não mencionou os substanciais custos suportados pelos motoristas, como aluguel do carro, seguro e combustível. Como resultado, o documento acadêmico simplesmente registrou que “a maioria ganha € 20 por hora, mais que o dobro do salário mínimo”.

Nossa revisão

Não é a primeira vez em que se discute a adequação da Uber valer-se de seu poder econômico para influenciar decisões públicas.

Em agosto de 2021, o juiz Frank Roesch, da Corte Superior do Condado de Alameda deferiu requerimento de motoristas da empresa para anular o plebiscito da Califórnia que retirara da legislatura estadual capacidade de outorgar aos trabalhadores acesso a programas de compensação social. Explicamos aqui esse interessante processo, originário da chamada Bill AB5.

No processo de consulta popular, as empresas Uber, Lyft, Instacart e DoorDash dispendera mais de US$ 200 milhões para influenciar os votantes a revogar lei que fixou parâmetros para reconhecimento de vínculo de emprego dos trabalhadores por plataforma.

No caso da Califórnia, a inadequação reconhecida na sentença disse respeito ao extrapolar de limites impostos a futuras legislações para estabelecer a condição de trabalho de motoristas de aplicativos, o que barraria acesso à benefícios sociais.

O vazamento noticiado pelo Guardian coloca novos fatos em uma contemporânea e urgente discussão mundial: a adequação da utilização do poder econômico de grandes empresas para influenciar decisões populares. A democracia espera por definições.

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