A GAMEFICAÇÃO DA VIDA: plataforma de entregas oferece prêmio de vacina contra COVID aos entregadores mais produtivos

Rodrigo Trindade

O governo colombiano autorizou a compra de vacinas da COVID-19 pelo setor privado. Na esteira de outras multinacionais, a Rappi, uma das mais importantes empresas de entregas do país, adquiriu quatro mil doses de Sinovac para imunizar mil “rappitenderos” em Bogotá, 500 em Melellín, 250 em Cali e 250 em Barranquilla.

A decisão causou polêmica pelos critérios de escolha dos candidatos à imunização. A empresa divulgou que priorizaria os entregadores a partir de critérios como volume de trabalho, quantidade de pedidos e tempo de conexão. Com as críticas que se seguiram, a companhia justificou que direcionaria as vacinas aos entregadores que estão mais expostos à contaminação e não pertencem aos grupos prioritários. E esses seriam, justamente, aqueles que passam mais tempo com o aplicativo ativo para recebimento de pedidos.

A Resolución 507, de 19/4/2021, do Ministério da Saúde local fixa os requisitos para importação, aquisição e aplicação das vacinas contra o Sars-CoV-2 por pessoas jurídicas de direito privado. Em seu artigo 3.2, esclarece que as empresas poderão estabelecer priorização na aplicação das vacinas e não poderão excluir empregados.

No Brasil, os Projetos de Lei n. 948/2021 e n. 3.982/2020 preveem a compra privada de vacinas.

Nossa opinião

A dose de vacina contra a COVID-19 é hoje bem tão importante como escasso. A notícia colombiana lembra episódios de Black Mirror e outras distopias, em que gameficação e monetização da saúde e da vida alcançam bizarros níveis de normalidade. Também aqui, nem mesmo se mantém a aparência da consideração do valor intrínseco da vida. Afinal, se algum valor há de ser resguardado é o dos dividendos corporativos.

Vulnerabilidade social, idade, comorbidades, profissões de risco e executores de serviços essenciais. Em lugares minimamente civilizados esses deveriam ser os critérios para definição da ordem dos grupos sociais a serem imunizados.

É cruel pedalar por uma vacina. O descarte de priorizações a partir de critérios da saúde comunitária faz perder a perspectiva de uma política realmente pública, racional e eficiente. Sob a orientação da mercantilização do direito fundamental à saúde, prêmio por produtividade passa a ser a concessão empresarial da expectativa de sobrevida à uma doença mortal.

A iniciativa empresarial segue suas determinantes biológicas, a obtenção de lucro. O que chama atenção é a fuga do Estado, ausentando-se da prerrogativa de definir a estratégia geral de sobrevivência de sua população. Pitoresco e de pouco futuro.

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