Como as Democracias Morrem: resenha do livro de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt

Rodrigo Trindade

Sim, mesmo democracias tradicionais podem entrar em colapso – e muitas estão entrando. Levitsky e Ziblatt são conceituados professores de Ciência Política de Harvard e alertam para o avançado ressurgimento do autoritarismo.

Em todo o planeta, autocratas eleitos mantêm um verniz de democracia enquanto corroem sua essência. A partir de dados históricos recentes, os autores mostram que os ataques mais efetivos não estão vindo das mãos de homens armados, mas a partir de líderes legitimamente eleitos que utilizam do pretexto de defesa democrática para sua subversão. Há muitos exemplos e que, assustadoramente, se somam nos últimos anos.

No século passado, Perón, Hitler e Mussolini corroeram as grades de proteção democrática que garantiram suas eleições e implementaram regimes de força. Recentemente, homens como Fujimori (Peru), Chavez e Maduro (Venezuela), Orbán (Hungria) e Erdogan (Turquia), apresentaram-se como outsiders da política,jogaram a partida eleitoral e, apoiados por insiders cegos para o perigo das ambições pessoais, estabeleceram seus próprios regimes autocráticos. Alguns, ainda, ficaram na tentativa, como Roosevelt e Nixon (EUA), Duda (Polonia), Correa (Equador) e Uribe (Colômbia). A administração Trump segue sob judice e para ela o livro é explicitamente dirigido.

Os catedráticos explicam que a transferência de autoridade para um líder que ameaça a democracia costuma emanar de uma de duas fontes: a) a crença equivocada de que uma figura autoritária pode ser controlada ou domesticada; b) a partir do “conluio ideológico”, a sobreposição da agenda autoritária à dos políticos das tendências predominantes. Mas ambas as circunstâncias, em diferentes potencias, podem se apresentar.

Em todos os casos estudados, a erosão da democracia ocorreu de maneira gradativa, muitas vezes em pequeníssimos passos e com pretexto de diligenciar algum objetivo público legítimo.  É interessante notar que a estratégica costuma passar por ações que envolvem a captura dos árbitros. Aqui entram agências de imposição da lei, de regulação e de tributação. Mas principalmente o Poder Judiciário e, especialmente sua Corte Constitucional. O aparelhamento da corte pode tomar duas formas: o impedimento de magistrados e sua substituição por aliados partidários; ou a alteração do tamanho e preenchimento das novas vagas com lealistas.

Que fazer?

Embora possa parecer, a obra não é catastrofista.

São quatro os sinais de alerta para reconhecer um autoritário: a) rejeitam em palavras ou ações as regras democráticas do jogo; b) negam a legitimidade de oponentes; c) toleram e encorajam a violência; d) dão indicações de disposição para restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia.

Para os professores de Harvard, há duas regras cruciais para sobrevivência da democracia: tolerância mútua e reserva institucional. A primeira diz respeito ao direito de existência dos rivais, habilitados a competir pelo poder e a governar. Por reserva institucional compreende-se estado de espírito de comedimento e tolerância, evitando-se ações políticas que, embora respeitem a letra da lei, violam claramente o espírito de convivência pacífica. Ambas são integralmente complementares.

O livro serve para aprender com os erros cometidos por líderes inicialmente democráticos e que abriram a porta para intenções autoritárias. Mas tão importantes são os virtuosos exemplos dos episódios de resistência das instituições nacionais a líderes autoritários. Os autores esclarecem que instituições isoladamente não são o bastante para conter déspotas em potencial. Urge amplo comprometimento por parte de pessoas que pensam diferente, perfazendo enorme responsabilidade nas mãos de políticos de diferentes matizes ideológicos, mas que convergem na causa da democracia.

A história não se repete, mas rima. A promessa histórica e a esperança do livro é que possamos encontrar as rimas antes que seja tarde demais. E o Brasil? Não é citado, mas bem sabemos que a obra nos serve muito bem.

4 thoughts on “Como as Democracias Morrem: resenha do livro de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt

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  • fevereiro 12, 2021 em 1:20 pm
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    O Brasil é citado sim! Há parte da obra que surgem exemplos com o Nome de Getúlio Vargas. Mesmo que de maneira ínfima, mas cita. Mas mesmo sendo pequena a citação sua resenha contempla as nossas expectativa. E sua conclusão sobre a importância da obra para resistirmos a governos autoritário também é muito importante.

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  • agosto 11, 2021 em 11:33 pm
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    O problema que percebo, embora não lido todo o texto ainda, é que no Brasil, em especial, os militantes de tendências antibolsonaristas, mencionam esse texto para atacar somente o governo atual, o de Bolsonaro, alinhando-o ao Trump e Viktor Órban (Hungria). Ok. Os dois autores (professores da Harvard) fazem já trazem esse alinhamento, que é correto, a meu ver. Porém, só essas tendências golpeiam a democracia? Por quê? A crítica segue sempre com o dedo em riste como se esses governos, claramente não sociais-democratas ou não inclinados às pautas de esquerda partidária mundial e globalista, fossem os únicos culpados pela morte das democracias. De onde nossa esquerda tupiniquim tirou a tese de que somente essas ideologias são “os demônios” a ser exorcizados. Sobre Bolívia, Venezuela e agora, Argentina, um silêncio sepulcral. Os dois autores (os professores de Harvard) citam Chaves, Maduro, Putin e outros. Todavia, isso nossos apologetas das teses escritas nas “tábuas de salvação” da medíocre pauta esquerdista, socialista, comunista empurram rapidamente para debaixo do tapete. Omitem informações que os professores de Harvard mencionam, de maneira proposital (ou por ignorância mesmo), tentando pôr em relevo uma narrativa falsa, segundo a qual apenas figuras como Bolsonaro e Donald Trump seriam “assassinos” da democracia.

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