Na matemática da certeza
“Indenizações individuais insignificantes e quase ausência de mecanismos de desestímulo à insegurança laboral. Na contabilização de investimentos, riscos e lucros, está barato indenizar mortes de trabalhadores no Brasil”
Rodrigo Trindade
O Brasil aboliu as metáforas: mar de lama é mar de lama, mesmo.
Brumadinho vai se encaminhando para 300 mortos e já é o maior acidente do trabalho da história nacional. Por maior que seja a comoção na quebra de centenas de ciclos de vida, é preciso entender motivos e pensar em meios de evitar repetições.
Risco é uma fórmula matemática e, no Brasil, nem sempre todos os seus fatores entram na equação. A incerteza de apostar no lucro forma a justificativa moral do capitalismo: o investidor coloca dinheiro no negócio, sem saber ao certo se encontrará retorno. Em Brumadinho, a barragem seguia um modelo inseguro de contenção e fazer o upgrade para medidas modernas custariam caro. A empresa calculou probabilidades, fez a aposta e perdeu.
Mas por que o risco do desastre cobria a expectativa de lucro? Em parte porque, apesar do rompimento ser possível, não era esperado. Mas também em razão de fator ocultado e que costuma resultar tanto da histórica leniência com a responsabilidade ambiental, quanto com o institucionalizado descaso com a segurança de quem trabalha.
Para entender os porquês dos descasos com mortes de trabalhadores em desastres ambientas, precisamos analisar no varejo e no atacado.
No micro, temos uma das mais cruéis e inconstitucionais inovações da Reforma Trabalhista. A “modernizadora” lei de 2017 definiu que o trabalhador (e sua família) deve ter a dor moral tarifada pelo valor com que sua força de trabalho era comprada. As indenizações passaram a ser definidas a partir do salário e os dependentes das vítimas poderão receber reparações de no máximo 50 salários mínimos. Ou seja, os valores são insignificantes se comparados com os montantes que serão fixados para moradores e visitantes engolidos na lama. Engenheiros ganharão mais que técnicos, técnicos ganharão mais que auxiliares e todos ganharão bem mais que terceirizados. Enfim, ser empregado vitimado é muito pior que ser passante vitimado.
Mas o descaso com a vida de empregados e terceirizados tem outros históricos. Há elemento macro, tão encravado e dolorido, como as velhas culpas. As indenizações individuais não desestimulam de verdade, e o microssistema trabalhista é incapaz de oferecer mecanismos sérios para evitar repetições de condutas danosas por empresas delinquentes. As multas previstas na CLT são quase irrisórias e a fiscalização normalmente se mostra insuficiente, principalmente, em razão da falta de vontade política refletida na deficiência de recursos destinados. Com a destruição do Ministério do Trabalho o cenário só tende a desmoronar.
Na matemática da incerteza com o investimento, os valores de indenizações pessoais baixaram, ficou mais barato compensar danos físicos e o risco, é claro segue a jusante.
O Direito Anglo-Saxão pode nos trazer certa luz. Há décadas, o instituto dos punitive damages vem sendo aplicado com certo sucesso. Em situações de transcendência dos danos, com fim de desestimular economicamente a conduta danosa e, a partir de diversos outros critérios, soma-se ao ressarcimento individual uma condenação punitiva.
Em 2001, o Ninth Circuit estabeleceu vultuosa quantia a ser paga pela gigante petrolífera Exxon, em razão de derramamento de óleo no Alasca pelo navio Exxon Valdez. A condenação punitiva original foi de US$ 2,5 bilhões e depois restou reduzida para US$ 500 milhões. Foi naquele julgado que se estabeleceu o grande fundamento do instituto: os valores fixados devem servir para impedir futuras condutas danosas.
Muitos “acidentes” acontecem no Brasil: ciclovia no Rio, Museu Nacional em Petropolis e barragem de Mariana são apenas os mais dramáticos. Nesse último, foram produzidas comissões de inquérito, investigações, processos judiciais e segue-se a impunidade. Três anos depois, repete-se, e com mais vítimas.
Talvez o caminho dos consertos e prevenções deva ser outro. As expressivas condenações da Exxon chamaram atenção de outras petrolíferas, que passaram a investir na segurança do transporte e preservação da vida. Afinal, há uma regra universal: quando pesa no bolso, costuma funcionar.