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E se nada der certo?

E se nada der certo?

Rodrigo Trindade

Encerrando a dupla jornada (após a magistratura, vem o magistério noturno), descubro a polêmica da semana: a tal festa do “E se nada der certo”. Confesso que doeu. E foi porque um dos adolescentes se fantasiou do meu primeiro emprego, e bem quando tinha a mesma idade.

Aos 17 anos, fui office boy. Passava a semana apanhando documentos, levando cheques para compensar e, ali, aprendi na pele o que era a tal de “mais valia”, o lucro do empregador. O conceito final só fui teorizar no mestrado e nas sentenças, mas, até hoje, nada substitui aquela experiência.

A tristeza no coração foi perceber a aspereza de visão de parte da juventude com as pessoas e profissões mais humildes.

Como se houvesse mais virtude em judicar, administrar e lecionar que lavrar, cultivar e construir.

Como ser “bem sucedido” significasse assinar com títulos garbosos – e nem sempre adequados.

Como se alguém pudesse achar que há vergonha em retirar o sustento diário da testa suada.

Trabalhar não é só modo de ganhar dinheiro. Costumo fazer brincadeira com alunos de especialização e pergunto “o que tu és?”. Assim mesmo, apenas essas quatro palavras. Invariavelmente ouço “advogado”, “funcionário público”, “estudante”. Poderiam dizer que são católicos ou evangélicos, brasileiros ou uruguaios, colorados ou gremistas. Paixões nacionalistas, religiosas e clubísticas costumam ser bem mais intensas, mas vivemos em sociedade pautada pelo trabalho.

Somos o que trabalhamos. Nossas identificações mais básicas são formadas com nossos ofícios e é a partir da profissão que estabelecemos redes de pertencimento. Fazer escárnio com a profissão não é humor barato, é agredir o que nos define de forma mais básica em nossa comunidade.

E isso dói de verdade.

A foto aí é de pouco antes de iniciar o primeiro emprego e ao lado está o que era meu sonho de consumo da época. As prioridades mudam. Hoje, um pouquinho mais de solidariedade aos humildes já me faz bem feliz.

RT

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