JUIZ DA CALIFÓRNIA DECLARA INAPLICÁVEL PLEBISCITO QUE EXCLUIU BENEFÍCIOS SOCIAIS PARA TRABALHADORES DE PLATAFORMAS

Rodrigo Trindade

No mais rico estado dos EUA, segue a saga sobre a definição da relação laboral mantida entre trabalhadores e empresas de plataforma digitais. A questão que começou nos tribunais (caso Dynamex), passou ao legislativo estadual (Bill AB5), migrou à instância de votação popular (Proposition 22), e agora retorna ao âmbito judiciário.

Em novembro de 2020, cerca de 58% dos votantes da Califórnia decidiram que as empresas de tecnologia poderiam seguir operando no estado, sem necessidade de converter seus trabalhadores em empregados.

Todavia, na sexta-feira passada (20/8), o juiz Frank Roesch, da Corte Superior do Condado de Alameda deu razão aos motoristas que demandaram contra as empresas. Alegaram que a Proposition 22 retirou da legislatura estadual capacidade de outorgar aos trabalhadores acesso a programas de compensação, excedendo os poderes do plebiscito.

As empresas de tecnologia devem recorrer da decisão.


Para Entender

No final de 2019, a câmara baixa da California aprovou lei (Bill AB5) obrigando reconhecimento de centenas de milhares de trabalhadores uberizados como empregados. A decisão causou grande repercussão, nos EUA e no restante do planeta. Primeiro em razão de implicar modificações nos montantes dos lucros das companhias; segundo por ser a California a terra natal da gig economy, o estado de maior economia do país, e suas leis costumarem repercutir em outras unidades da Federação.

Com a lei, a partir de 2020, residentes na California que trabalhassem em empresas como Lyft e Uber teriam direitos próprios de empregados, como salário mínimo e seguros contra doenças e acidentes. As companhias também ficariam responsáveis pela cobertura previdenciária (Social Security and Medicare) e seguro contra desemprego.


A Bill AB5 foi aprovada por 53 votos favoráveis, contra 11, e foi impulsionada pela decisão da Suprema Corte da California, tomada em 30/4/2018 e conhecida como Decisão Dynamex. O julgamento estabeleceu parâmetros para reconhecimento de vínculo de emprego, e que foram incorporados na nova legislação.

A reação das empresas de aplicativos se seguiu no patrocínio de plebiscito junto aos cidadãos da Califórnia, resultando na revogação da Bill AB5. A gigantesca campanha publicitária, chamada Proposition 22, foi financiada pelas empresas Uber, Lyft, Instacart e DoorDash, dispendendo mais de US$ 200 milhões. Houve forte reação de diversas organizações para preservação da democracia nos EUA, contrárias aos desproporcionais aportes financeiros, e argumentando a criação de precedente pelo qual qualquer direito pode ser subtraído, se houver dinheiro suficiente para ser gasto.

Nossa Revisão Trabalhista

A recente decisão judicial não traz qualquer forte manifestação a respeito da definição do status jurídico dos trabalhadores de aplicativos. A inadequação reconhecida na sentença diz respeito ao extrapolar de limites impostos à futuras legislações para estabelecer a condição de trabalho de motoristas de aplicativos, o que barraria acesso à benefícios sociais.

Nem a decisão Dynamex, nem a Bill AB5 definiram peremptoriamente vínculo de emprego dos trabalhadores de plataformas com as empresas de tecnologias. O que fizeram foi afirmar que cabe a averiguação de certos critérios para reconhecer o tipo de vinculação laboral. Explicamos aqui como funciona a fórmula; aqui, como outros países vêm adotando legislações parecidas; e aqui, o compartilhamento das fundamentações em decisões judiciais, pelo mundo.

A reação das empresas de aplicativos foi para que o vínculo de emprego fosse universalmente afastado, sem averiguações de caso concreto.

O fato mostra o quanto a classificação dos trabalhadores se mostra essencial para as companhias. Todas têm em comum a estruturação dos negócios a partir de grandes frotas de empregados tratados como trabalhadores autônomos, e a submissão a serviços pagos com baixos retornos financeiros, fora de abrigo previdenciário e estruturalmente depende do desemprego local. A fórmula alcançada é de economia nos custos humanos da atividade, evitando o pagamento de obrigações previdenciárias e trabalhistas, e alcançando lucratividade muito alta.

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