Vencedor do Oscar, American Factory, escancara paradigmas produtivos do milênio

O filme choca ao apresentar o extremo. Não apenas por mostrar a naturalidade da imposição de lucro a qualquer custo, intrínseca ao modelo chinês, mas principalmente porque leva a uma reflexão mais ampla de opções para equalizações.

Rodrigo Trindade

American Factory é documentário que todos que se interessam por presente e futuro do trabalho devem assistir. Uma fábrica no coração industrial dos EUA é adquirida por milionário chinês, que busca transportar não apenas técnicas produtivas, como arranjo social e cultural de trabalho. Nesse contexto, focando em visões pessoalizadas dos envolvidos (empresários, operários e políticos), o vencedor do Oscar de 2020 consegue condensar alguns dos mais dramáticos temas das relações de trabalho do século XXI.

Descompromisso ambiental, assédio moral, imposições de metas inexequíveis, jornadas exaustivas, impossibilidade de desconexão laboral, condutas antissindicais, deslocalização, migração, empobrecimento da classe operária. Todos esses temas são bem identificados, mas como resultado de uma multifacetada imposição de cultura produtiva e de normalização operária.

Filmado entre início de 2015 e final 2017, American Factory consegue apresentar as profundas diferenças entre os modos de trabalhar e empreender nas duas grandes potências da atualidade. O filme não se prende ao pitoresco apartamento de métodos produtivos e culturas nacionais; vai bem mais fundo e mostra que há visões muito diferentes sobre o valor das pessoas e até quanto pode custar a lucratividade empresarial à comunidade em que se insere.

Para ocidentais, ouvir sobre cego apego ao trabalho, abdicação de vida familiar e mesmo da renúncia da própria segurança pessoal, soa como algo quase alienígena. Mesmo assim, o documentário esforça-se para evitar escancarar visão dialógica e maniqueísta entre estilos de vida, de liberdade individual e de responsabilidades do Poder Público. Mas não é fácil.

Em 110 minutos, o filme choca ao apresentar o extremo. Não apenas por mostrar a naturalidade da imposição de lucro a qualquer custo, intrínseca ao modelo chinês, mas principalmente porque leva a uma reflexão mais ampla de opções para equalizações. Deixa claro um profundo distanciamento de paradigmas entre imposição de preço na atividade humana e reconhecimento de valor intrínseco nas pessoas que trabalham. Pode ser um novo choque, mas não é de civilizações.

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