Reforma Trabalhista: quais as razões de reformar? (1º artigo da série)

Reforma Trabalhista: conveniência, legitimidade, oportunidade

Por Rodrigo Trindade

(Publicado em 23 de março de 2017)

A partir desse artigo, e após a catástrofe da aprovação do projeto de lei de farra da terceirização, inauguramos uma série que pretende oferecer considerações sobre um dos mais importantes temas nacionais: o projeto do Governo Federal sobre Reforma Trabalhista.

Há tecnologias que, tão rápido como se instalam, desaparecem. Assim foi com o Orkut, o aparelho de fax e até o telex. Nunca tive, nem aprendi a usar nenhum deles e fico extremamente feliz que tenham trilhado o sereno caminho dos dinossauros. Com o twitter nutro incompatibilidade semelhante: não possuo, não sei usar e se for extinto não me fará qualquer falta. Mas sei que o twitter tem uma tal de nuvem indicativa das expressões mais comentadas. “Reforma Trabalhista” vem sendo uma dessas.

Até dá a impressão de ser algo novo, mas é como o feijão de sexta-feira, vem requentado de longe. Nossa CLT foi publicada em 1º de maio de 1943 e não é exagero dizer que, no dia seguinte, já devem ter se iniciado maquinações reformistas. Faz parte do jogo, quase sempre “pegado”, entre capital e trabalho.

“Reforma” costuma dar impressão de ser algo bom, mas precisamos ser sinceros em nossas definições. Pelo menos desde os anos 90, “Reforma Trabalhista” é expressão de falsa neutralidade para qualquer projeto político que envolva retirada de direitos trabalhistas. Simples, mas é isso. Especialmente envolvem diminuição de salários, ampliação de jornadas e toda sorte de restrição de benefícios e condições de serviço saudáveis. Nos últimos anos, teve os upgrades da ampliação de terceirização de serviços e facilitação da substituição do trabalho-emprego por contratos de atividade (prestadores de serviços, cooperativados, estagiários, etc).

Está na hora de amplamente reformar o mundo nacional do trabalho?

Ronald Dworkin, um dos mais festejados filósofos do Direito do final do século XX e início do presente, dizia que a história das nações passa por seus “momentos constitucionais”. São formados não apenas pelas facilmente identificáveis promulgações das Cartas Políticas, mas também pelas (raras) ocasiões em que a comunidade é chamada para debater e redefinir suas mais importantes opções de convivência. Reformas trabalhistas, com grandes alterações no modo de organização do mercado laboral, já foram experimentadas globo afora. Nasceram a partir de grandes pactos nacionais, especialmente com governos de coalizão, com consenso, harmonia e acomodação de forças. A partir dessa excepcional legitimidade, e com ampla participação dos diversos setores envolvidos, puderam ser redefinidas organizações básicas da economia, da legislação social e da convivência entre capital e trabalho.

Não é preciso ter Doutorado em Ciência Política para saber que estamos anos-luz de um governo de consenso nacional. Sem qualquer juízo valorativo, é fácil captar a fragilidade de um governo federal que bamboleia em pulverizada sustentação parlamentar, executa projeto controvertido e não debatido. Além disso, a Reforma Trabalhista foi gestada e apresentada sem nem mesmo consulta a organizações históricas de trabalhadores, à academia ou à Magistratura e Ministério Público do Trabalho. E não se diga que o pitoresco e pronto apoio do presidente do Tribunal Superior do Trabalho seja indicativo de alguma virtude. Tão rápido como o Ministro empenhou admiração ao projeto, seus colegas e organizações associativas de juízes, procuradores e fiscais do trabalho se prontificaram a esclarecer “ele não fala por nós”. Fica complicado – para falar o mínimo – afirmar que esse atual cenário fragilizado possa ser adequado fazer algo tão dramático e duradouro na vida de um país.

Além de oportunidade/legitimidade, a Reforma Trabalhista deve ser julgada a partir da análise de momento. Que atire a primeira chave de roda quem nunca deixou de jantar fora para pagar o carnê do carro. Todos já vivemos algo assim em nossas vidas: para fazer frente a importantes demandas de orçamento doméstico, optamos por cortar despesas que julgamos menos urgentes.
Na vida nacional também há momentos em que todos (ou número considerável de pessoas) são chamados a enfrentar maior esforço, sempre ao benefício da coletividade. Por maior que seja a necessidade, é claro que ninguém gosta muito de cortar na própria carne, mas aceitamos – mais ou menos contrariados – porque conhecemos e esperamos o bem maior.

Pois se em época de “vacas gordas” já é difícil operar sacrifícios, imagine durante crise econômica grave, como a que enfrentamos? Informes recentes dão conta que a economia nacional encolheu pelo segundo ano consecutivo, caindo 3,6% em 2016 e gerando retração de 7,2% do PIB no biênio. Está confirmado que vivemos a pior recessão desde 1930.

Para quem se alimenta a partir do salário e, portanto, mais sofre com desemprego e redução de renda, é complicado explicar que deva ser exatamente o mais prejudicado com amputações do que lhe sustenta. Se não há explicação que minimamente convença, o risco de cisão nos laços sociais são perigosamente grandes e revoluções violentas costumam ser algo que devemos evitar.
O discurso destrutivo é fácil, sedutor e cada vez mais se entranha no imaginário. Direito do Trabalho é instrumento de civilização, garantidor de equilíbrio das relações sociais e assegurador do mercado de consumo. Podemos pensar em alternativas menos demolidoras e bem mais efetivas.

Se não temos consenso nacional para sangrar o trabalho, outros mundos são possíveis e não estão distantes de chegar. Pensar seriamente em educação e formação, investir em tecnologia e inovação, combater a sonegação e a corrupção, desonerar a produção e a folha de salários. Tudo isso é alternativa possível e que, com um pouquinho de esforço, pode até chegar na tal nuvem do twitter. Aí, está tudo resolvido.

No próximo artigo, falaremos sobre fantasias e fetiches a respeito da Reforma Trabalhista.

RT

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