A MP 927 vai caducar e todos perdem. Azar o seu.
Rodrigo Trindade
Sem mais qualquer tempo hábil, já está certo que a MP 927 caducará no domingo. Foi a primeira das medidas provisórias do direito do trabalho emergencial à pandemia. Demorou para chegar, fez bem menos do que poderia (e deveria), mas tem seus méritos. Não seguiu as orientações de garantia de emprego de diversos países europeus, mas forneceu regras razoáveis para que empresários enfrentassem a crise sanitária, sem que precisassem recorrer a despedidas em massa e cortes salariais. Estabeleceu, assim, medidas de enfrentamento úteis, como transferências provisórias ao teletrabalho, adiantamento de férias e compensações de jornada com folgas prévias, tudo enquanto se precisasse ficar em casa.
Veloz como a propagação do coronavírus, todas essas regras serão pó na próxima segunda-feira, 19 de julho. E dificilmente haverá qualquer normativo para disciplinar a as relações vigentes durante o período da vigência da MP. Milhares de pessoas firmaram práticas com base na MP 927, e elas estarão vivas após a caducidade. Poderíamos pensar em repetir outra MP com suas partes boas, certo? Errado. Nossa Constituição impede que, no mesmo ano legislativo, os temas de uma medida provisória caducada sejam repetidos. Há mais um ciclone chegando, e ele se chama direito intertemporal – a definição de quais regras se aplicam ao longo do tempo.
O horizonte da próxima semana é de mau tempo para as relações trabalhistas da pandemia. É difícil imaginar alguma segurança para empresários manterem funcionários em casa sem saberem se o período contará como férias ou compensação de jornada. É possível seguir em teletrabalho sem previsão contratual? E em que termos? Na morte por caducidade, todos perdem: empregados, empregadores e quem terá de julgar. O game da insegurança jurídica entra no nível hard, o das mega judicializações.
O desastre da caducidade sem perspectiva de novas regras disciplinadoras encontra o problema gerado por um normativo recentíssimo, do Ministério da Economia. A Portaria n. 16.655/2020 revisa portaria de 1992, para considerar válida, durante a pandemia, a recontratação de empregado a prazo indeterminado dentro de período de 90 dias. Com anuência sindical, a recontratação pode ser com salário menor. Incentiva-se a recontratação, mas, antes, estimula à dispensa do trabalhador. Mesmo as oportunidades da Lei 14020/2020 (MP 936), de suspensão contratual e redução proporcional de jornada e salário, passam a ser menos atrativas que simplesmente mandar todos os funcionários embora e recontratar quando quiser, e nos termos que se pretender.
Por que caducar?
Ao fim e ao cabo, a morte prematura da MP 927 demonstra a dificuldade de diálogo político em nosso país, especialmente entre os Poderes. As duas casas do Congresso Nacional acolheram diversas emendas modificativas no projeto de lei de conversão, gerando jabutis – temas estranhos à proposta do Executivo. Somou a isso desonerações fiscais às empresas, medidas ditas pelos empresários como essenciais para manter seus negócios durante a crise. As alterações desagradaram a equipe econômica, especialmente a extensão da suspensão do recolhimento de FGTS e INSS, além do salário educação. O pagamento voltaria ao normal somente em janeiro de 2021 e o débito de 2020 poderia ser parcelado em 12 vezes.
Aparentemente, o Executivo suportava os jabutis, mas não aceitou as desonerações. Como não conseguiu articulação parlamentar para negociar, trabalhou para fazer bloquear deliberação no Parlamento e forçar caducidade do próprio normativo. Para o mal de todos, funcionou.
No final, é o jogo em que todos perdem, inclusive o Judiciário, que terá de administrar a bomba de desempregados, insegurança de normativos aplicáveis e seus milhares de processos.