MP 984 redefine regras de direito de arena e prejudica atletas e pequenos clubes
Rodrigo Trindade
Os campeonatos podem estar suspensos, mas a política não para. Quando esporte e política fazem jogada ensaiada sempre sai gol, mas o problema é que as vezes é contra a própria meta. A Medida Provisória n. 984/2020 foi publicada ontem, 18 de junho, alterou regras para transmissão de jogos e criou novos problemas para clubes e atletas. No campo trabalhista, a MP modifica dispositivos da Lei Pelé (Lei n. 9.615/1998) para fazer três grandes modificações.
Contratos mais curtos
A primeira diz respeito ao prazo mínimo de contratação de atletas, que passa de três meses para um mês. Com suspensões e cancelamentos de campeonatos, clubes ficaram com dificuldades de pagamentos a seus empregados e, com a MP, poderão contratar por prazos menores, suficientes para apenas encerrar os certames. Já os jogadores, ficam sem trabalho, contrato e salário.
O prazo mínimo de 30 dias para os contratos limita-se a 31/12/2020.
Direito de arena
As demais modificações referem-se ao direito de arena. Trata-se de parcela de natureza não salarial paga a atletas que participam de evento esportivo transmitido. Assim, recebem retribuição adicional ao proporcionar espetáculo àqueles que não estão nos estádios, mas assistem de casa. Com a MP, os direitos de transmissão passam a pertencer exclusivamente ao clube mandante da partida e, com isso, apenas esse pode negociar contratos com empresas de mídia.
A Medida Provisória desclassifica e elimina os sindicatos. Até então, as entidades representativas dos atletas intermediavam a distribuição dos valores do direito de arena. A partir de ontem, é o clube quem deverá fazer diretamente os pagamentos.
A retirada da responsabilidade dos sindicatos segue trajetória de diversos normativos legais dos últimos anos que buscam enfraquecer entidades e, por consequência, a representação coletiva de trabalhadores. O direito de arena é calculado como parte de contrato firmado entre o clube e a empresa de transmissão do jogo (mínimo de 5%, podendo ser alterado por norma coletiva) e não é nada fácil ter acesso aos seus termos. Diante da dificuldade de quase qualquer atleta, individualmente, conhecer e entender esses acordos, bem como fiscalizar a regularidade dos repasses, é que a lei, originalmente, integrou o sindicato na jogada.
Com a MP 984, cada um dos atletas dos clubes brasileiros é que terá de descobrir valor do contrato de transmissão e calcular quanto tem direito. Como essa averiguação é quase impossível, projetam-se pedidos de prestações de contas, cobranças e – claro – demandas judiciais.
A segunda dificuldade fabricada diz respeito à responsabilidade de pagamento do direito de arena. Até então, era de cada empregador para com seus atletas e, agora, passa a ser exclusivamente do mandante da partida. Assim, o “clube da casa” é que deverá fazer os pagamentos de direito de arena a cada um dos atletas do “clube visitante”. Para esses jogadores, que não têm qualquer vínculo com o pagador, as dificuldades de fiscalização e cobrança passam a ser multiplicadas. Reforço nas judicializações.
Precarização da profissão de atleta
Quando se pensa em profissionais bem remunerados, é comum lembrarmos de jogadores de futebol famosos, milionários e glamorosos. A situação geral, no entanto, está longe dessas linhas. Em levantamento recente descobriu-se que, no Brasil, 82% dos atletas ganham apenas um salário mínimo. Somente 0,83% dos jogadores de futebol recebem mais de R$ 50 mil mensais.
É por isso que, para a maior parte desses profissionais, especialmente dos milhares de pequenos clubes espalhados pelo pais, a participação em eventos esportivos transmitidos proporciona não apenas visibilidade individual, mas um notável reforço em suas rendas.
As novas regras impostas reduzem importância de entidades menores, retiram espaço de negociação e fazem centralizar poder nos grandes clubes. E, ao mesmo, tempo, projetam cenário de prejuízo na fiscalização de renda dos atletas.
A política futebolística brasileira pode ser muita coisa, mas não tem nada de ingênua e ainda está bem longe do apito final.