Trabalhar desde cedo é bom. Para os filhos dos outros
Rodrigo Trindade
“É melhor criança trabalhar que ficar na rua roubando”
“Eu trabalhei desde cedo e não me tirou nenhum pedaço”.
Todos já ouvimos frases como essas. A partir de poltronas bem estofadas e encorajadas por whiskies envelhecidos e tintos de respeito, surgem sempre sinceras e convictas. E fazem o conceito de fantasia migrar do campo da virtude infantil para assentar no arsenal que arma um permanente ciclo de miséria, exclusão e incultura.
Trabalhar e roubar são extremos que se tocam na correspondência de um bem planejado abandono civilizatório. No mundo em extinção dos estudos científicos, trabalhar desde cedo carrega a estatística de redução das oportunidades de desenvolvimento pessoal seguro – físico, mental e economicamente. Há muito o que pode ser feito nesse miolo, e a preocupação coletiva com desenvolvimento das crianças a partir da educação é não apenas o mais óbvio, como o comprovadamente mais eficaz. Pelo menos, no além fronteiras da Terra Plana.
A segunda frase é irmã de “todos acordamos com as mesmas 24 horas do dia” e “sou o único responsável por minha sorte”. Carregam não apenas a fantasia de tratar experiências pessoais excepcionais como regras gerais, mas trazem o DNA fetichista da “meritocracia classe média”.
A criança de classe média aporta na escola com capacidade de concentração, angariada dos estímulos de sua primeira infância. Vem do obtido nos livros de estórias, nos jogos educativos, na familiaridade com a cultura – tudo proporcionado pelo tempo livre comprado pelos pais. São as vantagens que acabam escondidas no momento de definir a origem do vencedor predestinado, do campeão da competição social.
Na família dos excluídos, tudo pressiona em sentido contrário. Como os estímulos à leitura e imaginação são menores, os pobres costumam ter enormes dificuldades de se concentrar na escola. Mesmo o sincero encorajamento ao estudo é ambíguo e etéreo para a criança porque, afinal, é o exemplo – não a palavra dita – o decisivo no aprendizado infantil.
Sem pensamento prospectivo não se planeja a vida. O nome é “dia internacional de combate ao trabalho infantil”, mas o 12 de junho também pode ser chamado de futuro.