60 PERGUNTAS E RESPOSTAS DE UM DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA
Rodrigo Trindade
O presente guia pretende oferecer respostas simples e diretas para medidas trabalhistas de enfrentamento e tratamento da pandemia de coronavírus/covid-19. São formadas essencialmente a partir dos normativos de crise já produzidos e que se mostrem habilitados para assegurar as grandes demandas de preservação das empresas e das condições pessoais de sobrevivência.
Tem-se a certeza, todavia, que as mais efetivas medidas, que observem peculiaridades de atividades e diferentes capacidades econômicas dos envolvidos, serão as alcançadas a partir da negociação coletiva.
SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA
1)Por quanto tempo durará a atual situação de emergência? O período de duração da medida de emergência com aplicação das medidas próprias será estabelecido por ato do Ministério da Saúde.
2)Qual a diferença entre isolamento e quarentena? Isolamento é a separação de pessoas doentes ou contaminadas, para evitar contaminação e propagação do coronavírus; quarentena é a restrição de atividades ou separação de pessoas não doentes, também para evitar contaminação e propagação do coronavírus.
3)Quem deve fazer isolamento: Todas as pessoas que, conforme orientação médica, sejam consideradas doentes ou contaminadas.
4)Quem deve fazer quarentena? As medidas de quarentena são determinadas pelo Poder Público, com orientações municipais, estaduais e federais.
5)Pode ser exigido trabalho de empregado em isolamento? Não, sob pena de ser considerado ato atentatório à saúde individual e coletiva, sendo passível de punição e falta grave do empregador.
- SALÁRIOS
- 6) O salário deve ser pago se empregado estiver em quarentena ou a empresa estiver impedida de exercer atividades? Sim, deve haver pagamento de salário e as faltas são consideradas como licença remunerada.
- 7) É possível o empregador reduzir unilateralmente o salário do empregado: Não. Eventuais reduções salarias apenas podem devem ser estabelecidas em normas coletivas (acordos e convenções coletivas de trabalho).
- 8) O salário deve ser pago para empregados em isolamento? Sim, deve ser pago pelo empregador até o 15º dia e, após, deve ser solicitado benefício previdenciário.
- 9) Pode haver diminuição de salário fixo, em razão da redução da atividade econômica? Não, com exceção de previsão específica em norma coletiva.
- 10) Como fica a situação de comissionistas? Havendo impossibilidade de trabalho, o empregador deve assegurar pelo menos o pagamento de um salário mínimo, independente do volume de vendas. A garantia do padrão salarial médio por fechamento da atividade no período é questão controvertida.
- MEDIDAS LEGAIS E CONVENCIONAIS
- 11) Quais devem ser as orientações gerais de enfrentamento das novas questões trabalhistas da pandemia? A Constituição Federal é o grande guia principiológico para a construção de respostas, especialmente a partir dos valores de solidariedade social, dignidade da pessoa humana, preservação da saúde e função social da propriedade. Todos são balizadores de limites à propriedade, à liberdade econômica e à interesses corporativos. O microssistema trabalhista possui regramento para situações genéricas de força maior e que devem ser respeitados, mas nem todas as situações a serem enfrentadas encontram-se suficiente e previamente regradas na legislação vigente.
- 12) Quais são as medidas do Governo Federal para enfrentamento das novas questões trabalhistas decorrentes da pandemia? Foi editada a Lei 13.979/2020, que estabelece encaminhamentos gerais de enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia de coronavírus/covid-19. Também há aplicação da nova Medida Provisória n. 927/2020, que prevê regras provisórias para teletrabalho, férias individuais e coletivas, aproveitamento de feriados, banco de horas, suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho, suspensão do contrato para cursos de qualificação e diferimento de prazo para recolhimento de FGTS.
- 13) Por quanto tempo as novas medidas legais podem ser aplicadas: Todas as medidas têm aplicação restrita ao período de pandemia e que é definido pelo Ministério da Saúde.
- 14) A quem se aplicam essas medidas? São aplicáveis a trabalhadores urbanos, rurais, terceirizados e temporários. No que couber, também há aplicação a trabalhadores domésticos em temas de jornada, banco de horas e férias.
- 15) É possível criar acordos e convenções coletivas de trabalho para regular condições de trabalho durante a pandemia? Sim. As partes representativas de empregadores e empregados têm as melhores condições para alcançar as soluções mais adequadas, compatibilizando capacidades econômicas e particularidades das atividades.
- 16) O Poder Judiciário pode auxiliar nas negociações coletivas? Sim, a Justiça do Trabalho possui larga experiência em mediações e conciliações entre empresas e sindicatos, permitindo aproximações e auxiliando em soluções adequadas e seguras para todos. O Tribunal Regional do Trabalho mantém toda a sua estrutura ativa para auxiliar nessas aproximações.
- 17) Passa a ser possível alterar obrigações dos contratos de trabalho? A MedidaProvisória 927 previu que empregado e empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo de emprego, e que terá preponderância sobre leis e acordos coletivos. Há dúvidas sobre constitucionalidade do dispositivo e a recomendação é que adequações sejam buscadas via negociação com sindicatos.
- 18) Os acordos e convenções coletivas seguem vigentes? Sim. Acordos e convenções coletivas vencidas ou que vencerem no prazo de 180 dias contados a partir de 22/3/2020 poderão ser prorrogados, a critério do empregador, pelo prazo de 90 dias.
- TELETRABALHO
- 19) O que é teletrabalho? Teletrabalho é modalidade de regime de trabalho não presencial, realizado remotamente a partir de ferramentas de informática e comunicação. Não há aplicação das regulamentações sobre teleatendimento e telemarketing previstas na CLT.
- 20) Onde deve ser realizado o trabalho remoto? Com a pandemia em curso e conveniência da restrição de circulação e convívio social, recomenda-se firmemente que o teletrabalho e qualquer outro tipo de trabalho remoto seja realizado exclusivamente dentro da residência do empregado.
- 21) Pode ser exigida passagem para regime de teletrabalho ou outro trabalho remoto? Sim, conforme natureza do trabalho a ser executado e com notificação do empregado de, no mínimo, 48 horas, por escrito ou por meio eletrônico.
- 22) A quem pode ser exigida passagem a regime de teletrabalho ou outro trabalho remoto? Pode ser exigido a todos os empregados cujas atividades possam ser desempenhadas remotamente e não imponham ônus excessivos.
- 23) O que acontece caso o empregado não possuía os equipamentos para teletrabalho e outros serviços remotos? Não pode ser exigido que empregado adquira para si equipamentos de informática pois cabe sempre ao empregador fornecer os utensílios de trabalho. O empregador deverá fornecer os equipamentos em empréstimo gratuito e indenizar o empregado por outras despesas eventualmente necessárias. Excepcionalmente, pode haver acerto para aquisição dos equipamentos pelo empregado, com reembolso por parte do empregador.
- 24) Deve haver assinatura de novo contrato de trabalho? Não há necessidade de assinar novo contrato, mas como medida de cautela, pode ser escrito adendo ao contrato para definir novas orientações e responsabilidades.
- 25) O tempo de trabalho remoto conta como jornada de trabalho? Sim, ainda que não haja controle de horários de trabalho.
- FÉRIAS
- 26) Os períodos de férias podem ser adiantados? Sim, férias individuais e coletivas podemser adiantadas, de modo a que venham a ser gozadas durante o período de quarentena, mesmo antes do fechamento do período aquisitivo. Os períodos de férias não poderão ser inferiores a cinco dias.
- 27) Como proceder para adiantar o período de férias? Deve haver comunicação ao empregado, por escrito ou meio eletrônico, com antecedência mínima de 48 horas.
- 28) Como ficam as férias de empregados que pertençam a grupo de risco? Empregados que pertença a grupo de risco do coronavírus/covid-19 serão priorizados para gozo de férias.
- 29) Qual o prazo para pagamento das férias? A remuneração de férias não precisa ser adiantada e pode ser paga até o 5º dia útil do mês subsequente ao gozo.
- 30) Nas férias concedidas durante a quarentena deve haver o pagamento do terço de férias? Nesse período, o empregador pode optar por pagar o terço de férias após a concessão das férias, e até a data limite de pagamento do 13º salário.
- 31) O empregado tem direito de requerer o abono de férias (“venda” de 1/3 do período)? Durante a pandemia, o empregador não está obrigado a aceitar conversão e pagamento do abono.
- 32) No caso de férias coletivas, o empregador deve fazer comunicação ao sindicato e órgão local do Ministério da Economia? Essas providências estão dispensadas durante o período da pandemia.
- 33) Como ficam as férias em caso de dispensa do empregado? O empregador deverá pagar os valores ainda não adimplidos de férias e terço.
- FERIADOS
- 34) Poderá haver antecipação de feriados? Sim, todos os feriados não religiosos poderão ser antecipados por decisão do empregador e serem utilizados para compensação do saldo em banco de horas.
- 35) Como deve ser feita a antecipação de feriados não religiosos? O empregador deverá comunicar o empregado, por escrito ou meio eletrônico, com antecedência mínima de 48 horas.
- 36) É possível antecipar feriados religiosos? Sim, mas apenas se houver acordo individual escrito entre empregado e empregador.
- BANCO DE HORAS
- 37) O que é banco de horas? Banco de horas é modalidade de compensação de jornada de trabalho em que folgas e horas trabalhadas são abatidas com folgas.
- 38) Períodos sem trabalho durante a pandemia podem ser posteriormente recuperados? Sim, permite-se a interrupção das atividades do empregador e criação de regime especial de compensação para posterior recuperação de dias parados.
- 39) Como esse banco de horas pode ser formado? Deve haver um acordo coletivo ou acordo individual formal entre empregado e empregador.
- 40) Qual o período de compensação posterior com folgas? A recuperação de horas deve ocorrer até 18 meses após o encerramento da pandemia.
- 41) Como deve ser feita a compensação posterior? A compensação para recuperação do período interrompido poderá ser feita com trabalho de até mais duas horas diárias e até o limite de 10 horas por dia.
- EXAMES OCUPACIONAIS, TREINAMENTOS E CIPA
- 42) Exames médicos ocupacionais devem obrigatoriamente ser feitos durante a pandemia? Não, está suspensa a obrigatoriedade de exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto consideração em contrário de médico coordenador do programa de saúde ocupacional.
- 43) Os exames médicos demissionais também estão suspensos? Não, esses continuam tendo de ser realizados, a não ser que o empregado tenha realizado exame ocupacional há menos de 180 dias.
- 44) Deve haver realização posterior dos exames? Sim, eles devem ser realizados até 60 dias após o encerramento da pandemia.
- 45) Treinamentos de empregados devem ser mantidos? Não. Durante o período de pandemia, treinamentos periódicos e eventuais previstos em normas regulamentadoras de segurança e saúde ficam suspensos e poderão ser realizados com ensino à distância.
- 46) As comissões internas de prevenção de acidentes (CIPAs) ficam mantidas? Sim, ficam mantidas durante a pandemia e seus processos eleitorais poderão ser suspensos.
- SUSPENSÃO DO CONTRATO
- 47) Durante a pandemia é possível suspender o contrato de trabalho para qualificação, sem previsão em norma coletiva? Não. A Medida Provisória n. 927 previu inicialmente essa possibilidade mas foi cancelada pela Medida Provisória 928.
- 48) Em que condições é possível suspender o contrato de trabalho para qualificação do empregado? Apenas com previsão expressa em norma coletiva é possível a suspensão do contrato de trabalho, sem pagamento de salário para qualificação profissional do empregado e sempre com limite máximo de 5 meses e concordância formal do empregado. Nesse período o empregador poderá pagar ajuda de custo compensatória.
- FGTS
- 49) É possível parcelar o pagamento de FGTS? Sim. Estão suspensos os recolhimentos de FGTS das competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho, respectivamente.
- 50) Como os recolhimentos de FGTS de março, abril e maio serão pagos? Permite-se o pagamento parcelado, sem atualização e sem multa, em até seis parcelas mensais, a partir de julho de 2020.
- 51) O que o empregador deve fazer para usufruir do parcelamento? O empregador deve declarar as informações até 20/6/2020 à Secretaria da Receita Federal e Conselho Curador do FGTS. Valores não declarados serão considerados em atraso e obrigarão pagamento integral de multa e encargos.
- 52) O que acontece caso os pagamentos do parcelamento não sejam feitos? Nessa hipótese, sobre as parcelas ainda não pagas incidirão multa e encargos e ensejará bloqueio do certificado de regularidade do FGTS.
- 53) Como fica o recolhimento de FGTS em caso de dispensa sem justa causa? Caso o empregado seja despedido, o parcelamento vence antecipadamente e os recolhimentos de FGTS devem efetuados dentro do prazo legal, incluindo a multa de 40%.
- PROFISSIONAIS DE SAÚDE
- 54) Profissionais de saúde e outros que desempenhem funções essências poderão ter férias e licenças suspensas? Sim, esses profissionais poderão ser chamados para retorno ao trabalho, mediante comunicação por escrito ou meio eletrônico, com antecedência mínima de 48 horas.
- 55) Profissionais de estabelecimentos de saúde que realizam trabalhos insalubres e jornadas 12×36 poderão ter jornada prorrogada? Sim, mediante acordo individual escrito, também podendo adotar escalas de horas suplementares entre a 13ª e a 24ª hora do intervalo interjornada, mas garantido repouso semanal remunerado.
- 56) Como deve ser feita a compensação das horas de trabalho prorrogadas dos profissionais de estabelecimentos de saúde? Essas horas poderão ser compensadas em banco de horas no prazo de 18 meses, após o encerramento da pandemia ou pagas como horas extras.
L. CONTAMINAÇÃO DO EMPREGADO PELO COVID-19
- 57) Em caso de contaminação pelo empregado pelo covid-19 há responsabilidade do empregador? A MP 927 estabelece que as contaminações pelo covid-19 não são consideradas doenças ocupacionais. Mantém-se, todavia, responsabilidade do empregador pelo cumprimento das normas de saúde, higiene e segurança, de modo que devem empregar todos os esforços para evitar contágio.
- FORÇA MAIOR E FACTUM PRINCIPIS
- 58) Normativos estaduais e municipais de restrição de atividades empresariais permitem automaticamente dispensas de empregados? Como resultado das orientações de autoridades de saúde para restringir convívio social, por todo Brasil, diversos atos administrativos de prefeitos e governadores de estado têm determinado fechamentos provisórios de estabelecimentos. Apenas a circunstância de fechamento provisório não é indicativa da necessidade de dispensa de empregados, pois presume-se que toda empresa possui certa capacidade econômica de reserva. Todavia, em situações pontualmente avaliadas, a diminuição da atividade econômica pode obrigar a dispensas.
- 59) As dispensas ocasionadas por esses normativos permitem repasse de responsabilidade para pagamento de rescisórias? A responsabilidade do Poder Público pelo pagamento de rescisórias ocorre apenas nos atos do tipo factum principis, quando resultam em benefício direto da própria entidade estatal. No caso da pandemia, as ordens ocorrem como mera decorrência do cumprimento de responsabilidades indeclináveis a quem governa, assegurando vida e saúde. Não há, portanto, repasse de responsabilidade por pagamento de verbas rescisórias.
- 60) As dispensas diretamente ocasionadas pela redução prolongada das atividades econômicas pode ser considerada força maior? A questão é controvertida, mas é possível se considerar como hipótese de força maior, o que autoriza redução do valor das verbas rescisórias.
Esclarecedor! Muito obrigado aos autores pela contribuição.
Parabéns, ilustre Dr. Rodrigo Trindade. A uma, pela disposição de despojar-se das rebuscadas terminologias que marcam a comunicação forense e da advocacia, para se fazer entender; e, pela altruística ação de compartilhar os seus elevados conhecimentos e experiências no trato diário com o verdadeiro e pulsante Direito do Trabalho.