Nova Lei 13.876/2019 impõe conteúdos previdenciários em sentenças e acordos trabalhistas
A modificação na CLT estabelece recolhimentos previdenciários mínimos em ações e acordos que pressuponham vínculo de emprego
Rodrigo Trindade
A Lei 13.876/2019 foi publicada hoje no Diário Oficial e traz importante alteração na CLT. Eis o texto:
Art. 2º O art. 832 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 3º-A e 3º-B:
“Art. 832. …………………………………………………………………………………………………….
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§ 3º-A. Para os fins do § 3º deste artigo, salvo na hipótese de o pedido da ação limitar-se expressamente ao reconhecimento de verbas de natureza exclusivamente indenizatória, a parcela referente às verbas de natureza remuneratória não poderá ter como base de cálculo valor inferior:
I – ao salário-mínimo, para as competências que integram o vínculo empregatício reconhecido na decisão cognitiva ou homologatória; ou
II – à diferença entre a remuneração reconhecida como devida na decisão cognitiva ou homologatória e a efetivamente paga pelo empregador, cujo valor total referente a cada competência não será inferior ao salário-mínimo.
§ 3º-B Caso haja piso salarial da categoria definido por acordo ou convenção coletiva de trabalho, o seu valor deverá ser utilizado como base de cálculo para os fins do § 3º-A deste artigo.
…………………………………………………………………………………………………………” (NR)
Nossa análise:
A lei tem algumas “complicações”. Originalmente, o projeto legislativo apenas dispunha sobre pagamento de honorários periciais no âmbito previdenciário da Justiça Federal, mas recebeu substitutivo para somar a modificação na CLT. A autoria foi da Senadora Soraya Thronicke, que assim justificou:
“Atualmente, no âmbito da Justiça do Trabalho, embora o §3º do art. 832 da CLT determine a discriminação da natureza jurídica das parcelas remuneratórias constantes da condenação ou do acordo homologado em juízo, o que se verifica na prática conciliatória é a atribuição de natureza jurídica indenizatória da maior parte das verbas, mesmo aquelas de natureza tipicamente remuneratória, o que resulta na impossibilidade de arrecadação de imposto de renda e contribuição previdenciárias.
Considerando o valor de R$ 13 bilhões pagos nas Justiça do Trabalho a título de acordos judiciais, no ano de 2018, e assumindo a estimativa conservadora de que 50% dessas verbas foram discriminadas como de natureza indenizatória, quando na realidade possuíam natureza remuneratória, encontra-se o valor de R$ 6,5 bilhões sobre os quais não houve incidência do imposto de renda e contribuições sociais. Com efeito, considerando as alíquotas aplicáveis a cada espécie, alteração ora proposta tem o potencial de gerar receita adicional de R$ 1,95 bilhão por ano, o que representa aumento de receita da ordem de R$ 19,5 bilhões em 10 anos. ”
Vê-se que a proposição supõe não observância de devida natureza remuneratória em acordos judiciais, pretende impor essa qualidade nas verbas pagas e, com isso, ampliar recolhimentos previdenciários. Para tanto, promove alterações no art. 832 da CLT.
O mantido § 3º do art. 832 prevê indicação da natureza jurídica das parcelas e definição de responsabilidade de recolhimento. Essas duas obrigações passam a ter certos condicionamentos.
No § 3º-A estabelece-se um conteúdo mínimo de incidência da base para recolhimento previdenciário em toda ação procedente ou acordada em que houver pressuposto vínculo de emprego. Salvo se apenas constar pedidos de pagamento de parcelas indenizatórias.
No inciso I há imposição de presunção absoluta da base de cálculo do salário mínimo para contribuições previdenciárias. E vale para qualquer ação procedente de pedido de vínculo, resolvida em sentença ou acordo. Ou seja, o acordo não mais pode ter por conteúdo apenas pagamento de verbas indenizatórias ou se limitar à declaração do vínculo. Sempre haverá obrigação de recolhimento previdenciário.
Pelo inciso II, também nas ações de postulação da diferença de remuneração, a base de cálculo não será inferior a um salário mínimo. O total da remuneração devida no mês – para fins cálculo de previdência – não poderia ser inferior a um salário mínimo. A lei tentou repetir a óbvia regra constitucional – que empregados não podem receber menos do mínimo no mês. Mas criou o problema de não ressalvar trabalhadores a tempo parcial, que, sim, podem receber legalmente menos de um salário mínimo.
Nesse inciso também há um efeito que – aposto – não foi cogitado pelo legislador. Partindo-se da suposição da base de cálculo ser, universalmente, pelo menos o mínimo legal, pode-se concluir que empregados intermitentes devem receber pelo menos isso. É uma das questões mais controvertidas sobre o tema e pode servir de reforço argumentativo.
O §3º-B diz o óbvio: que referências salariais mínimas convencionais e pisos salariais convivem e se sobrepõem ao mínimo legal.
Não são incomuns ações com pedido declaratório de vínculo de emprego controvertido, em que se efetiva acordo com reconhecimento da relação empregatícia, mas não há pagamentos de verbas salariais. Seja em razão da incapacidade de pagamento por parte do empregador, seja porque já houve completo adimplemento. Assim, o acordo tem apenas resultado declaratório (a existência da relação de emprego).
A Lei 13.876/2019 muda isso e impõe a fabricação de conteúdo previdenciário mínimo, ainda que não correspondente à efetiva dívida do principal (verbas de natureza remuneratória). Havendo acordo com reconhecimento do vínculo de emprego ou sentença declaratória da relação, mesmo que não se estabeleça dívida de pagar verba correspondente à base a recolhimentos previdenciários, obriga-se que haja pagamento tomando por base o salário mínimo ou outra referência salarial base incidente.
Como já visto, o objetivo da lei está em tentar ampliar recolhimentos ao INSS, a partir da Justiça do Trabalho. De concreto, temos apenas a provável redução de acordos na Justiça do Trabalho e, com isso, dificilmente haverá significativa ampliação de recolhimentos previdenciários. Com todos os efetivos problemas da Previdência Pública no Brasil, o resultado prático não deve passar da insignificância.
Rodrigo, não haveria inconstitucionalidade formal, em vista do disposto no artigo 146, III, b, da CF/88? Penso que sim. Abraços.
Excelente.
E como fica as ações de reconhecimento de vinculo, cuja postulação de verbas é impossível por já estar soterrada pela prescrição? Ainda assim, haverá imposição de conteúdo previdenciário? Questionamentos que convergem a conclusão do artigo, problemas criados que não resolvem o problema da previdência e tentam transferir ao particular a ineficiência administrativa do Estado.
Mais uma vez a Justiça do Trabalho transformada em mero órgão arrecadador
No curto prazo não haverá ampliação de recolhimentos previdenciários, mas no longo prazo, sim, terá ampliação.