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APROPRIAÇÃO DE SALÁRIO: agentes delinquentes e efeitos trabalhistas, criminais e administrativos

Apropriar-se de salário de empregado ou de servidor público é crime e implica punições nas esferas trabalhista, administrativa e penal.

 Rodrigo Trindade

 

Presumivelmente resultado de recentes acontecimentos nacionais, recebo pedidos para esclarecer efeitos jurídicos da apropriação ilícita de salários. Para facilitar, faço por aqui, mas – sempre cumprindo dever funcional – trato em tese, academicamente e sem qualquer posicionamento político.

Dependendo da situação posta, a apropriação de salário por parte do empregador, ou pessoa em superioridade hierárquica na relação de trabalho, gera implicações nos campos trabalhista, penal e administrativo.

 

Materialidade

A apropriação de salário estabelece-se a partir de duas possíveis situações: primeiro, com simples negação de pagamento de proventos – dentro dos limitados contornos adiante esclarecidos; segundo, a partir da entrega formal de salário e posterior exigência de restituição dos valores.

Tanto nas esferas criminal como trabalhista, o agente pode ser o próprio empregador, como pessoas naturais equiparadas, incluindo diretores, gerentes e supervisores. No trabalho para a Administração Pública, integram-se como delinquentes os funcionários públicos com cargo de chefia e agentes políticos que detenham superioridade hierárquica sobre o funcionário lesado.

 

Efeitos trabalhistas

As normas trabalhistas são essencialmente indisponíveis, vedando transações bilaterais lesivas aos empregados (arts. 9º e 468 da CLT). A partir disso, estabelece-se largo sistema de proteção ao conjunto de parcelas devidas no contexto da relação de emprego, e especialmente a mais central dessas, o salário.

O instituto da intangibilidade trata do controle de descontos no salário, consagra a ideia universal de que as rendas trabalhistas têm destinação alimentar e sua utilização deve ser definida tão somente pelo empregado. Nesse sentido, o art. 462 da CLT impede que o empregador opere descontos salariais, com exceção de danos causados pelo empregado, adiantamentos e rubricas previstas em lei ou normas coletivas. O não cumprimento da ordem de não apropriação implica grave quebra de dever legal e permite o encerramento do contrato por justa causa, além de possíveis pleitos indenizatórios.

Efeitos criminais

Em paralelo, o Direito Penal reconhece a necessidade de proteção do bem jurídico salário, definindo tipo penal e punição nos casos de apropriação. A extrema reprovabilidade de conduta é clara na definição constitucional de crime na retenção do salário (art. 7º, X).

No Código Penal temos o crime de apropriação indébita (art. 168), dando condições de concreção à genérica previsão constitucional. Mas, ausente tipo penal particularizado, e se tratando de norma punitiva, a interpretação dos contornos da apropriação indébita de salário deve ser restritiva. Por efeito, apenas se admite a modalidade dolosa, dirige-se somente à sonegação do salário base e unicamente aplica-se a valores devidos de modo incontroverso.

 

Efeitos administrativos

Tratando-se de apropriação de salário no âmbito da Administração Pública, duas situações podem estar postas.

Primeiro, no paralelismo da iniciativa privada, em que o funcionário público ou agente político de chefia exige entrega de parte do salário do subalterno. Segundo, na situação em que a apropriação de recursos ocorre porque o funcionário é “fantasma”, ou seja, sem efetiva prestação de trabalho. Em ambas, tem-se o crime de peculato, definido a partir da utilização de cargo para apropriar-se ou desviar dinheiro público, em proveito próprio ou de terceiros.

A Lei de Improbidade Administrativa (8.429/1992) regra as duas situações. O apropriador do salário que obtém enriquecimento ilícito (art. 9º) e o agente que nomeia funcionário fantasma são penalizados com ressarcimento, perda da função pública, suspensão de direitos políticos e multa (art. 12).

 

Processamento criminal

Seguindo-se a regra do art. 100 do Código Penal, a apropriação indébita de salário é crime de ação penal pública. Desse modo, não há necessidade do funcionário lesado atuar para promoção das medidas punitivas.

 

Conclusão

A essencialidade do trabalho e do salário implicam multiplicidade de efeitos em sua apropriação ilícita. O sistema jurídico nacional é rico e suficiente na identificação das condutas vedadas e no estabelecimento da punição adequada. Mas, como para quase tudo, basta disposição de procurar e cumprir a lei.

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