TRT-RS decide monitorar demandas de massa e uso predatório do Judiciário
TRT-RS decide monitorar demandas de massa e uso predatório do Judiciário
Rodrigo Trindade
Quem já a ouviu, sabe bem o que significa. A expressão “vá procurar seus direitos” não é proferida na expectativa de injustos restarem reparados; fala-se, sim, como ameaça apoiada na conhecida dificuldade de manejo dos instrumentos de jurisdição. Todos sabem que não é simples, fácil ou barato entrar nos tribunais – e, quase sempre, muito pior torna-se sair do sistema.
No começo foi o Direito do Consumidor e, aos poucos, o Direito do Trabalho dá-se conta do fenômeno das demandas massificadas e uso predatório da Justiça. Apesar de muitos estudiosos considerarem o acesso ao Judiciário como o mais importante direito fundamental do século XXI, outros fenômenos processuais próprios de nosso tempo também o ameaçam de inefetividade.
Nesse início de milênio, a realidade brasileira revela graves violações do direito de acesso à Justiça, principalmente geradas em ambiente cultural de inadimplência, de sonegação contumaz de direitos e que remete a passagem pelo Judiciário como estratégia de castigo. Como em outros ramos judiciais, aumenta a percepção que a utilização patológica do Judiciário provoca a relativização da efetividade do processo, acompanhada do descrédito de utilidade da própria jurisdição.
É para garantir o amplo, democrático e eficaz acesso que o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) acaba de aprovar três importantes enunciados, orientadores de sua política judiciária dos próximos anos.
O sistema jurídico do século XX foi estruturado para demandas pessoalizadas, orientadas na pontual reparação de danos já postos e que buscavam provimentos atomizados, construídos a partir de decisões artesanais. Tudo foi válido para seu tempo, mas se mostra insuficiente para o que hoje se apresenta como ordinário nas cortes judiciais.
A insistência de instrumentos individualizados para lides massificadas e repetitivas tem conseguido tão somente limitar respostas judiciárias (sem atacar a raiz dos problemas de descumprimentos reiterados) e provocar constelações de decisões lotéricas e oscilantes. A todo esse atual estado de dificuldades operacionais, soma-se o cada vez mais preocupante estrangulamento estratégico de recursos do Poder Judiciário.
Os relatórios anuais produzidos pelo Conselho Nacional de Justiça comprovam o que é intuído por quem vive do Direito. Ano após ano, repetem-se os grandes litigantes e devedores da Justiça do Trabalho. Essencialmente, são bancos públicos e privados, entidades da Administração, companhias de telecomunicações e empresas prestadoras de serviços terceirizados que se apropriam da estrutura da Justiça do Trabalho e repetem não apenas os descumprimentos legais, como seguem na estratégia de utilização do processo para rolagem financeira de seus passivos. Em suma, está barato descumprir e deixar para pagar depois.
Trata-se de estratégia que não apenas produz prejuízos econômicos aos lesados pela delinquência patronal, mas que preda a regularidade do sistema. Constrói-se anomalia no mercado, fazendo com que o descumprimento de direitos sociais transforme-se em insumo redutor de custos. A maioria dos empresários honestos são prejudicados e subverte-se a esperada lealdade concorrencial.
Até hoje, a resposta foi dada com o já citado tratamento individualizado das demandas. E o enxugar de gelo vem sendo reforçado com as igualmente ineficazes políticas de infinito aumento da estrutura (unidades judiciárias e cargos) e cruéis imposições de metas de produtividade. O Judiciário Brasileiro já é o mais produtivo do planeta e nada tem sido suficiente.
O Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul pretende ser o pioneiro na busca por outros caminhos. No Encontro Institucional, encerrado na última sexta-feira (14/9/2018), a corte trabalhista gaúcha aprovou enunciados orientando a criação de núcleo de preservação do acesso à Justiça, monitoramento de litígios e pesquisas judiciárias. Pretende com isso criar condições para impedir a instrumentalização do Judiciário, permitir visão global de demandas repetitivas, publicizar os responsáveis por processos de massa e garantir celeridade e qualidade na prestação jurisdicional.
A coordenação do estudo foi feita pelo Desembargador Ricardo Martins-Costa, juiz Rodrigo Trindade e juiz Gustavo Vieira. Os magistrados submeteram ao Grupo de Trabalho II do Encontro Institucional, com aprovação por unanimidade e, finalmente, ratificação pela Plenária do evento. Os estudos preliminares tiveram origem em trabalho de 2016, produzido também pelos juízes Trindade e Vieira, no âmbito da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região – Amatra.