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O que o ciclismo me ensinou sobre preparação para concursos públicos

O que o ciclismo me ensinou sobre preparação para concursos públicos

Rodrigo Trindade

Se antes se imaginava que estudar para concurso público era morrer provisoriamente para o resto da humanidade, hoje está claro o quanto é importante manter atividades “normais”. Praticar exercícios físicos no período de preparação não é apenas possível, mas essencial para se manter saudável e produtivo.

É difícil convencer que o escasso tempo que podia ser usado nos livros deve ser dedicado à cuidar do corpo? Pelo menos saiba que há muitas pesquisas constatando que exercitar-se é fundamental para maximizar aprendizado. Mas, por favor, não leve aquele manual de 600 páginas para ler na esteira. Evitemos acidentes.

Pode ser musculação, natação, corrida, caminhada, não importa. Manter atividade física é essencial para sua saúde. Caso tenha disposição para escolher esporte ainda pouco comum no Brasil, pense com carinho em ciclismo de asfalto, ou speedbike. Há algum tempo que subo na magrela e volto pra casa apenas quando as coxas estão queimando. Foi durante o sobe-e-desce do pedal que percebi o quanto há de semelhança e utilidade para os estudos.

Dez tradicionais pontos.

1. Sozinho ou acompanhado
Ciclismo é, essencialmente, um esporte solitário e de reflexão. É você, Deus e o asfalto; faz conhecer seus limites e buscar continuamente jogá-los para frente. Quase todo o tempo se pedala sozinho e mesmo se está acompanhado de um amigo, ele pedala a bike dele e você a sua. Você irá adiante com a sua disposição de subir na sela e botar mais força no quadríceps.

Estudar para concursos públicos é substancialmente isso: assumir o posto e suar a camisa para ir adiante. Ainda que lhe incentivem, que haja muito pensamento positivo, que a reza seja forte, convença-se: é só com uma forte disposição pessoal que você vai alcançar seus objetivos.

Mas ciclistas também têm seus momentos de trabalho em grupo. Chama-se “pelotão” a espécie de fila indiana em que dois ou mais praticantes se colocam quase colados, um atrás do outro. A ideia é muito parecida com o vôo de pássaros migratórios: diminuição da resistência aerodinâmica e incentivo de um sobre o outro. Precisa sempre haver rodízio, de modo que você fica um tempo no final do pelotão e, depois, vai lá para frente “puxar” o grupo. Segue o imprescindível: o esforço pessoal. Ninguém te reboca, nem pedala por você, mas, por algum tempo, fica um pouco mais fácil, mais leve e eficiente.

Por mais que o estudo solitário seja o principal, também é importante trabalhar em grupo, receber e oferecer ajuda e incentivar quem está na mesma batalha. Pode ser que adiante se desgarrem, mas trocar ideias, compartilhar dúvidas e reflexões sobre a matéria costuma facilitar o aprendizado, principalmente em temas mais complexos.

2. Qualquer tempo, qualquer lugar
Há competições de ciclismo, mas essa não é a regra entre os praticantes. Como sabemos, é um esporte essencialmente solitário.

Um dos principais motivos de ter escolhido speedbike é minha inconstância de horários e diversidade de compromissos. Natação depende de acesso a uma grande piscina; futebol, vôlei e tênis, de considerável grupo de amigos e hora marcada na quadra; surfe demanda condições climáticas adequadas. Em quase todos os esportes há requisitos que independem da vontade e você acaba praticando “quando dá”. Nada disso afeta meu esporte e posso pegar a magrela e botar no asfalto em praticamente todos os dias e horários, conforme minha disposição.

Também podemos ler e estudar em qualquer lugar, em bancos de praça, dentro do ônibus ou na fila da lotérica. Atualmente, os aplicativos de celular e tablet são muito uteis para receber informações a qualquer tempo. Se tem algo que todos possuímos em igual medida é o tempo do dia. Todo mundo tem suas vinte e quatro horas diárias para administrar da melhor forma possível.

Li uma vez que “não existe falta de tempo, existe falta de interesse. Porque quando a gente quer mesmo, a madrugada vira dia, quarta-feira vira sábado e um momento vira oportunidade”. Sejamos curtos e diretos: é impossível passar em concursos difíceis sem abdicar de tempo usualmente direcionado ao lazer. E apenas ter muito tempo “cambiável” significa pouco. O que vale, realmente, é a disposição de botar o pé dentro da casa de câmbio. Ou no clipe da pedaleira.

3. Ter o equipamento certo
Todo ciclista de asfalto está permanentemente ligado em novos equipamentos, designs de bicicletas e compostos metálicos revolucionários. Mas há uma neurose que todos compartilham: a obsessão pelo peso. Não exatamente a massa corporal; falo da compulsão por buscar reduzir míseros gramas em cada peça e acessório. Mas sejamos sinceros: anualmente somam-se novos equipamentos e há redução de peso em quadro e garfo, mas o design de bicicletas é praticamente o mesmo há cem anos.

O concursando também precisa ter seu equipamento correto: ambiente tranquilo e acesso a material de estudo de qualidade. A isso, podem se somar itens que fazem parte das neuroses habituais, como o café perfeito, a temperatura exata do ar-condicionado e, no meu caso, um exagero de canetas marca-texto. Mas no fundo, saiba que o essencial segue igual: esforço pessoal.

4. Pedalar é republicano
Já percebeu que não há tipo físico definido para ciclistas? Além de acolher todos os gêneros, e diferente de outros esportes, há praticantes de respeito em largas faixas de idade, alturas, pesos e constituições físicas. E como não é atividade cara, permite que pessoas de praticamente todas as camadas sociais exercitem em condições muito próximas. Há esportes que demandam preparação e adaptação venham quase desde o berço, mas não o ciclismo. Quase todos sabem pedalar e para começar é só ter disposição de botar o pé no pedal e aguentar os primeiros dias de dor no glúteo.

Especialmente para concursos públicos, nunca acreditei em mentes iluminadas, pessoas superiores, divinamente destinadas ao sucesso fácil. Concurso hoje em dia não é fácil para ninguém e se já te disseram que se resume a sorte e contatos pessoais, está na hora de bloquear o aloprado.

Não existe simpatia, feitiço ou fórmula mágica. Uma boa formação universitária abrevia caminhos, mas está muito longe de ser o determinante. Empenho pessoal: é nisso que eu acredito. E pensando bem, não é essa a ideia principal do instituto concurso público? Não interessa de onde você vem, quem são seus pais, qual a cor da sua pele. Importa, sim, qual seu nível de disposição para abdicar de tempo de lazer, de convívio familiar, de investir forte na preparação e lutar pelo sonho.

5. Amar desafios
Sempre que perguntam o trajeto que fiz em determinado dia de pedalada e, descobrem que passei por subidas muito longas ou íngremes, sugerem trajeto alternativo mais plano, mais fácil. Mal sabem que todo ciclista é um masoquista por definição; procuramos subidas pesadas para poder dizer como foi a “escalada”, o tempo de montada ereta e como as coxas ficaram tremendo ao final. O desafio do trajeto é medido pela distância e pela adversidade de subidas e descidas; não é somente o chegar, mas por onde se passou.

O estudo para concursos também deve ter seus desafios. Ficar na zona de conforto, repetindo as velhas leituras, refazendo exercícios antigos e de concursos com temas superados é fórmula de enganação. Para alcançar a aprovação é preciso não apenas conhecer tudo que foi pedido nos últimos concursos, mas avançar para o ainda inexplorado. É aí que estará o diferencial do nome no edital.

6. Aceite: cair faz parte.
Se você ciclista ainda não caiu da bike, reveja sua performance porque algo deve estar errado. Já caí bastante, muitas vezes com plateia e, graças a Deus, os danos foram maiores na fleuma que na patela. Desonroso, mesmo, seria desistir do esporte no primeiro tombo.

Jamais pense que o fato de ter acumulado reprovações significa que é hora de mudar o foco. Primeiro, porque se você escolheu uma determinada área é porque guarda afinidade com ela e sempre temos maior chance de êxito quando estudamos o que gostamos. Segundo, em razão de que o tempo de preparação é longo e reprovações são parte natural do processo. Aprende-se mais com as quedas que pedalando no plano.

Cada um tem seu tempo e ele precisa ser respeitado. Então, meu amigo, minha amiga, não deposite todas as suas esperanças no próximo concurso. Afinal não é passagem de cometa, do tipo que só tem um evento por geração. No mínimo, você acumula conhecimento para ser melhor profissional. Lembre-se que reprovação em concurso não forma reincidência, nem carimba antecedentes. Ao contrário, ter experiência em concursos inexitosos mostra convicção e ideal sincero com a profissão. As bancas apreciam os convictos muito mais que os indecisos.

7. O difícil é começar
Ah, que esforço precisa ter para vestir a roupa de esporte e sair meio fantasiado para o exercício! A parte mais difícil é rejeitar os sussurros da fada da preguiça e seus motivos para adiar o treino sob a hipócrita promessa de compensação no dia seguinte. Convencer-se que não há motivos sérios para abortar a saída com a bike é, disparado, a parte mais difícil do treino. Mas, depois de alguns minutos a endorfina toma o corpo e tudo fica bem.

Você é daquele tipo que precisa de um esforço tremendo para se animar a estudar eficácia preclusiva da coisa julgada ou natureza jurídica do aviso prévio? Na hora reservada para abrir os livros, parece que surgem urgentes demandas domésticas, do tipo organizar os cabides por ordem cromática ou aspirar debaixo da a, cama? Parabéns, você é normal. Não me entenda mal, nada contra coisa julgada muito menos aviso prévio. Mas normalmente o estudo – e principalmente para os temas menos práticos – é, antes de tudo, um ato de esforço. Mas depois de começar, você segue deslizando rumo ao final da etapa.

8. Metas factíveis
Quando comecei a pedalar, inspiravam-me amigos que faziam 200 km por final de semana e escalavam montanhas dificílimas. É obvio que jamais conseguiria acompanha-los nas primeiras semanas de treino. Mas tudo foi evoluindo com o passar das saídas, de forma sistemática e com imposição de metas possíveis. Aos poucos, fui aumentando as distâncias e incluindo subidas cada vez mais íngremes. Não foi fácil, mas tudo foi pensado, planejado e executado com a precisão pretendida, grudando na sela até terminar os quilômetros.

Para o concurso, não há estudo por improviso, nem definição astral do ponto do dia; é preciso estabelecer calendários de curto e médio prazo. Nada de fixar metas exclusivamente mensais. Isso não funciona, porque quase sempre relaxamos no começo do mês e queremos (sem muito êxito) compensar nos últimos dias, “dar um gás”. Duvida? Então lembre quantas vezes você já fez a lição da escola escutando a musiquinha do Fantástico. Minha sugestão é de metas diárias e semanais. A definição do que estudar no dia deve ser feita muito antes, a partir de cronograma a ser seguido da forma mais rígida possível. Divida os pontos dos editais antigos de um modo razoável, factível conforme sua disponibilidade de tempo. A partir daí, convença-se que também a cadeira vai ficar grudada em você até terminar a meta diária.

9. Viajar
Quando se pedala, conhece-se pedacinhos da cidade que jamais percebemos andando de carro. E cada vez me interessa mais levar a magrela para passear em outros estados e países, descobrir novos asfaltos e, principalmente, paisagens que somente longas distâncias ao ar livre permitem contemplar. Mas aprendi que cada lugar tem suas particularidades, que precisam ser bem estudadas antes de iniciar o trajeto. Ou o prazer transtorna-se em sofrimento.

Os concursos públicos também tem suas nuances e precisam ser bem entendidas. Apesar da lei aplicável ser praticamente a mesma no país, as profundas peculiaridades (e desigualdades) econômicas brasileiras se refletem no conteúdo das provas. Ao lado disso, há demandas regionais que apenas ensaiam na jurisprudência, mas já causam preocupações locais e, portanto, tendem a render perguntas nas provas de concurso. É importante conhecer essas peculiaridades e seus reflexos nos interesses das bancas.

10. Felicidade e orgulho em cada etapa
Encerrar o trajeto de bike e saber que foi tudo cumprido é uma felicidade incrível, insuperável. Você se impôs a meta, sofreu, ardeu, teve muita vontade de desistir, mas chegou lá no topo da montanha e isso deixou a vista da paisagem indescritivelmente bonita.

Só o concursando sabe que existem poucas alegrias que superam o passar da caneta (quase rasgando o papel, de tão forte) sobre o item vencido do edital. Significa que você venceu a meta de estudo e, agora, pode partir para o treino de bike.

Uma última dica.
Concurso é apenas o instrumento para sua felicidade e felicidade que se resume à profissão chama-se neurose. Estudar e adquirir conhecimento são dádivas que precisam ser saboreadas, jamais engolidas com sofrimento. Estude com com prazer, pratique seu esporte e seja feliz.

One thought on “O que o ciclismo me ensinou sobre preparação para concursos públicos

  • claudiofmendes@ig.com.br

    Como estudar, trabalhar e ainda pedalar????

    Resposta

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