NOVA LEI AMPLIA DIREITO EMERGENCIAL PARA QUALQUER CALAMIDADE PÚBLICA

Rodrigo Trindade

Não basta a pandemia complicar a vida de todo mundo, também os normativos que acompanham a emergência sanitária e seus rescaldos, não ajudam muito nos esforços cognitivos.

A novíssima Lei 14.437/2022 é o novo capítulo de um enredo que segue complexidade e confusões da série de TV cult alemã DARK. Para ambas, só dá para entender se, pacientemente, registramos datas e personagens. Vamos à ficha:

A MP 927/2020 foi o primeiro normativo nacional de enfrentamento trabalhista da pandemia. Trouxe medidas emergenciais iniciais, com temas de teletrabalho, adiantamento de férias, compensação de jornada e parcelamento de FGTS. Obviamente, ficou limitada às circunstâncias dos efetivamente afetados pela pandemia do Covid-19. Teve vigência de 22/3/2020 a 19/7/2020. Mas certas situações podem se projetar no tempo, em aplicação do art. 62, § 11 da CRFB.

Como a MP 927 caducou sem apreciação pelo Congresso, e seguimos no ano seguinte higienizando tudo com álcool em gel, veio a 2ª temporada. Para isso temos a MP 1.046/2021: trouxe quase idênticos temas da MP 927, com pontuais modificações, alguns poucos aperfeiçoamentos e diversos problemas mantidos. É diploma igualmente limitado às hipóteses da pandemia, e seguiu o caminho da caducidade sem apreciação parlamentar. Vigência de 28/4/2021 a 25/8/2021, com as mesmas projeções possíveis da irmã da temporada original.

Em paralelo, tivemos inicialmente a MP 936/2020 e sua respectiva lei de conversão 14.020/2020. Seguindo no enfrentamento estrito da pandemia, criou o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, com possibilidade de suspensão contratual e redução proporcional de salário e jornada, com pagamento de subvenção estatal (benefício emergencial). Manteve a estrita aplicação para o âmbito da pandemia e, igualmente, teve vida curta, vigendo de 01/4/2020 a 05/7/2020. A partir do dia seguinte, temos aplicação da lei de conversão, mas como ela era tributária do período temporal da emergência declarada no Decreto Legislativo n. 6/2020, seu conteúdo só pôde ser aplicado até 31/12/2020 (sim, o decreto dizia que a pandemia não ingressaria 2021, mas esqueceram de avisar o vírus).

Como todos sabemos – e sobrevivemos –, a emergência seguiu em 2021, de modo que, para suprir a perda de eficácia da lei 14.020, veio a sua 2ª temporada, chamada de MP 1.045/2021. Sem muita originalidade, nem vontade de suprir suas tantas obscuridades, repetiu a maior parte dos termos da irmã mais velha, mas teve aplicabilidade limitada de 28/4/2021 a 25/8/2021 (Sim, mais uma vez, se acreditou que a pandemia terminaria bem antes).

Eis que, então, vem a MP 1.109/2022, consolidando os dois grandes grupos de normativos anteriores. Juntou em única medida provisória tantos os temas de teletrabalho/adiantamento de férias/compensação de jornada/parcelamento de FGTS (MPS 927 e 1046) com suspensão contratual/redução de jornada e salário (MP 936, Lei 14.020 e MP 1045).

A consolidada Lei de Conversão dessa 3ª temporada de 2022 é a 14.437/2022, e tem no âmbito aplicativo uma surpresinha de roteiro. Permite a aplicação de praticamente todo o regramento – então construído para enfrentamento estrito da pandemia da Covid-19 – para QUALQUER estado de calamidade pública em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal reconhecido pelo Executivo. Indica que as medidas, no entanto, poderão ser adotadas exclusivamente para trabalhadores em grupos de risco e nas áreas específicas dos entes federativos atingidos.

E as dezenas de controvérsias, inconsistências e obscuridades devidamente apontadas em todas as MPs e leis das temporadas passadas? Seguem lá. Vamos assistir, mas é um enredo que dificilmente terminará satisfazendo os expectadores.  

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