“Saudações de um operário alemão que não mata inocentes”

Rodrigo Trindade

Essa é foto de míssil russo que caiu, nessa semana, em cidade da Ucrânia e não explodiu. Ela lembra uma história que aconteceu na Espanha, quase um século antes. Andres Delgado escreveu em 2017 para a revista “Ultimo Round” sobre o episódio, e que foi recentemente lembrado por Juan Manoel P. Domínguez em texto para o Mídia Ninja.

Em 1937, como parte da ajuda de Hitler ao também fascista espanhol Franco na guerra civil espanhola, a Lutwaffe bombardeou várias cidades dominadas pelos republicanos. Eis que em uma cidade do País Basco, uma bomba atingiu a terra, mas nunca explodiu, ficando embutida no meio da praça central. Os moradores surpresos e assustados não ousaram movê-la, e lá permaneceu por anos durante o governo de Franco, como símbolo de morte, do poder do regime e do castigo de quem se rebelou.

Em um dia de primavera, pela manhã, Julen se cansou dos detalhes da paisagem que arruinavam a praça, procurou por ferramentas e decidiu desmontar e remover o dispositivo. Nas primeiras horas trabalhou sozinho, ao meio dia já contava com a ajuda dos amigos. (Porque se há algo pelo que morrer, que seja com os amigos). No meio da tarde, todas as pessoas da cidade já estavam na praça, na expectativa e colaborando como podiam.

Ao anoitecer, eles a desarmaram, entraram em uma carroça e decidiram que iam levá-la para a cidade vizinha, onde ficava a sede municipal da região. Mas o interessante da história foi o que encontraram dentro da ponta da bomba.

Lá, junto com cabos e pedaços de metal, eles encontraram um papel manuscrito que continha apenas algumas palavras. Achavam que poderia indicar o local onde foi feito, seus componentes ou algumas instruções de uso, mas mesmo assim despertou a curiosidade das pessoas. Claramente não estava em basco, espanhol ou inglês. Aparentemente era alemão.

Na aldeia, só havia uma pessoa que conseguia decifrar a escrita: Mirentxu, que quando criança, por causa do trabalho do pai, havia passado alguns anos em Hamburgo. Mirentxu estava como era natural, na praça. Ela foi solicitada e assumiu o papel. Demorou não mais de meio minuto em ordenar as palavras e a gramática na sua jovem mente. Finalmente, para cortar o suspense, disse olhando para todos os seus vizinhos (que ao mesmo tempo a olhavam em silêncio): “No papel está escrito o seguinte: Saudações de um operário alemão que não mata inocentes”.

Ninguém saiu da praça nas horas seguintes. Eles discutiram, conjeturaram e interpretaram o manuscrito de mil maneiras. Por fim, antes da meia noite, o povo decidiu por unanimidade que a bomba não iria embora, até mesmo voltaria ao seu lugar. A partir daquele momento, a bomba na praça passou a simbolizar a resistência, o fim do medo e o poder de um povo com consciência de classe. Tudo isso como um presente de um trabalhador alemão que, em meio à ditadura nazista, arriscou a pele e deixou claro que nem o medo nem o regime seriam capazes de torná-lo um monstro a mais.

Histórias como essa da pequena cidade do País Basco nos ensinam que a guerra é sempre um empreendimento de velhos homens ricos que se conhecem e odeiam, para que jovens pobres que não se conhecem, matem e mutilem uns aos outros. Mas, às vezes, algo diferente pode ser feito.

Como Domínguez escreveu, não se trata de bandeiras políticas, se trata de empatia, de leituras sobre o lugar em que outros se encontram. É algo importante a se lembrar: se você faz parte de um regime de morte, sabote-o desde dentro, que a história irá lhe retribuir com o melhor prêmio reservado a um ser humano: a imortalidade junto aos que lutaram do lado certo da história.

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