ACORDO SINDICAL OBRIGARÁ TRABALHADORES DE BARES E RESTAURANTES DE SÃO PAULO A SE VACINAREM AFINAL, EMPREGADORES PODEM EXIGIR VACINAÇÃO?

Rodrigo Trindade

Conforme informações de O GLOBO, os sindicatos patronal e trabalhista de bares e restaurantes de São Paulo fecharam acordo para tornar obrigatória a apresentação de atestado de vacinação contra COVID-19, sob pena de impossibilidade de realização do trabalho. Também estabeleceram que a recusa injustificada poderá caracterizar ato faltoso, com possibilidade de dispensa por justa causa.

O acerto entabulado entre o, Sindicato dos Trabalhadores em Hotéis, Apart Hotéis, Motéis, Flats, Pensões, Hospedarias, Pousadas, Restaurantes, Churrascarias, Cantinas, Pizzarias, Bares, Lanchonetes, Sorveterias, Confeitarias, Docerias, Buffets, Fast-Foods e assemelhados de São Paulo e região (Sinthoresp) e as entidades patronais, Sinderesbar e Confederação Nacional do Turismo ratifica estudo efetuado pelo Ministério Público do Trabalho, que reconhece a necessidade e obrigatoriedade da vacinação.

Assim, São Paulo, segue Nova York, a primeira cidade dos EUA a exigir certificado de vacinação para trabalhadores de bares, restaurantes e academias. A metrópole americana acompanhou medidas parecidas aplicadas na França e na Itália, países nos quais se abriu possibilidade de suspensão dos contratos de empregados em que houver negação de receber imunizantes.

Diversas empresas brasileiras vêm tentando definir como agir se houver recusa dos empregados em buscar imunização por vacina, mas ainda não existe nem legislação específica, nem jurisprudência sedimentada. Atualmente, há apenas duas decisões judiciais confirmadoras da validade da dispensa por justa causa de empregados que se recusarem a receber vacina.

Revisão: empregadores podem exigir vacinação?

O avanço da exigência de vacinação aprofunda o debate a respeito de interesses coletivos sobre concepções individualizadas. A utilização de instrumento normativo negociado, com participação das entidades representativas de empregados e empregadores, em seguimento à provocação pelo Ministério Público do Trabalho, enriquece a origem e demonstra a importância do compartilhamento de responsabilidades em tema importantíssimo. A questão segue em ampla discussão por todo território nacional e, aqui, temos encaminhamento que pode servir de paradigma.

Aqui, há de se apartar as recusas de vacina justificadas em razões médicas, conforme condições de saúde do empregado, e que são devidamente atestadas por profissional médico. Discute-se, sim, se decisão por convicção pessoal de consciência, pode ser tomada, sem qualquer consequência na relação de emprego – especialmente em trabalhos que demandem contato pessoal com colegas e clientes e, portanto, criem condições de contágio da COVID-19.

No campo jurídico, a ausência de disposições legais específicas não inviabiliza a possibilidade de construir regras aplicáveis – afinal a obrigação de julgar não depende de qualquer lei específica. Na falta, deve haver avaliação, sempre a partir da Constituição. Nossa Carta é clara e direta sobre ser direito dos empregados a redução de riscos, mediante normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII). Em instrumentalização, os arts. 157 e 158 da CLT afirmam ser dever das empresas cumprir e fazer cumprir normas de saúde, segurança e medicina do trabalho, cabendo aos empregados o cumprimento dessas determinações. Por fim, a Norma Regulamentadora n. 1, item 1.4.2 estabelece que empregados devem seguir as ordens patronais sobre saúde e segurança.

Especificamente em relação às vacinas, a Lei 6.259/1976, em seu art. 3º reconhece as imunizações como obrigatórias, inseridas no Programa Nacional de Imunização (PNI).

No tratamento da COVID-19, a Lei 13.979/2020 expressamente determinou a possibilidade de vacinação compulsória, reconhecida como uma das medidas mais importantes de combate à epidemia (art. 3º, III, “e”).

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade dessa lei, e o fez por meio do julgamento de duas ações diretas de inconstitucionalidade, as 6.586 e 6.587. O órgão de cúpula do Judiciário Brasileiro afirmou ser constitucional e obrigatória a vacinação, registrada em órgão de vigilância sanitária, e integrada no PNI. Ou, pelo menos, desde que haja obrigatoriedade declarada por lei, ou determinação efetuada pela União, Estados, municípios ou Distrito Federal, sempre com base em consenso médio científico.

É importante deixar claro que vacinação compulsória não se confunde com vacinação forçada, realizada em animais. Não se cogita que, militarmente, sejam impostas vacinações contra a vontade de cidadãos. Pode haver recusa de qualquer pessoa, mas ela também pode ser acompanhada de medidas indiretas, com consequentes restrições de certas atividades ou frequência a lugares públicos. A imunização individual é, não apenas medida de proteção pessoal, como ação de preservação coletiva da vida; e sem preocupação com a coletividade, toda convivência fica comprometida. Nesse sentido, o STF também esclareceu que, para a validade, dessas restrições há necessidade de: a) existência de evidências científicas; b) realização de análise estratégica; c) ampla informação; d) respeito à dignidade humana; e) atendimento de critérios de razoabilidade e proporcionalidade; f) distribuição universal e gratuita da vacina.

Em todo o mundo, vêm sendo comuns recusas de vacinação, acompanhadas de justificativas a partir do instituto da objeção de consciência. Trata-se de importante aporte de direitos fundamentais, permitindo que profundas concepções religiosas ou filosóficas se sobreponham a obrigações direcionadas à população em geral. Mas aqui é difícil o enquadramento na objeção de consciência. A recusa ordinária à vacinação costuma ser associada a receios gerais de prejuízos físicos com a imunização, normalmente relacionado ao pouco conhecimento de efeitos colaterais da vacina. Há pouco – se não absolutamente nada – de concepção filosófica nisso. E, ainda que se pudesse embutir a recusa ordinária à vacinação no instituto, é importante lembrar que a objeção de consciência não resulta em simples abstenção de responsabilidade coletiva, mas implica substituição por outra equivalente, mantendo responsabilidades para pessoas adultas. Assim, a imposição de restrições para não vacinados aparece como substituição razoável às opções individuais.

Outro argumento ouvido diz respeito ao possível caráter experimental das vacinas. Todos os imunizantes aplicados no Brasil tem caráter emergencial e são autorizados pela Anvisa, com expresso reconhecimento de segurança sanitária. A característica emergencial diz respeito à limitação de comercialização, devendo apenas ser aplicada em campanhas oficiais. Havendo reconhecimento pelo órgão nacional responsável, e ausente qualquer evidência científica minimamente sólida que rejeite a segurança dos imunizantes, também o argumento de ser pretensamente experimental mostra-se enfraquecido.

A imposição de vacinação, sob pena de restrição de atividades coletivas, não é algo novo no Brasil. A vacinação infantil é medida obrigatória para matrículas em escolas, bem como para recebimento de benefícios governamentais. Também aqui, não há obrigação de imunização, mas a efetivação de consequências para aqueles que se recusam e colocam suas comunidades em riscos desnecessários.

Retornando ao direito do trabalho, não nos parece haver ilegalidade na possibilidade de punição disciplinar para a recusa individual do empregado a se vacinar – desde que observados certos critérios. E que a via seja de mão dupla: também empregados podem exigir que seus empregadores busquem imunização, sob pena de rescisão indireta dos contratos.

Há uma pluralidade de problemas gerados pelo empregado resistente à vacinação: coloca em risco colegas, clientes, permite a continuidade de circulação do vírus, amplia possibilidades de mutações e soma despesas públicas de tratamento, pesquisa e pagamentos de benefícios previdenciários. Há, portanto, uma multiplicidade de interesses coletivos a se sobreporem às opções do empregado. Por evidente, cumpre a cada empregador informar e orientar sobre os procedimentos, chamando o funcionário à razão, ao cumprimento do dever social e às consequências de suas opções. Se ainda assim não for suficiente, o não cumprimento inviabiliza a segurança da convivência social contemporânea, e pode levar a penas disciplinares: advertência, suspensão e dispensa por justa causa.  

O tratamento do tema parece mostrar que o planeta também está tomado por uma pandemia diferente e muito mais resistente, a de uma síndrome que soma individualismo egoísta com resistência a responder por consequências. O direito de liberdade individual de pensamento é conquista civilizatória essencial, mas não parece ser orientado por egocentrismo inconsequente.

ATUALIZAÇÃO (06/8/2021)

Em nota publicada em 06/8/2021, o SINHORESP esclarece que ainda não assinou qualquer norma coletiva nos moldes divulgados por O GLOBO, dizendo ser inverídica a informação prestada pelo jornal. Eis o teor da nota:

Acordo sindical torna obrigatória a vacinação de funcionários de bares e restaurantes de São Paulo

Aos 03/08/2021, o SINTHORESP tomou conhecimento de uma informação publicada no portal do “O Globo” de que os sindicatos patronal e trabalhista de bares e restaurantes de São Paulo firmaram um acordo para tornar obrigatória a apresentação de um certificado de vacinação para atuar no setor.

Como era de se esperar, após a publicação, inúmeros outros veículos de comunicação, bem como inúmeras empresas buscaram junto ao SINTHORESP uma cópia do aludido acordo que tornava obrigatória a vacinação para os trabalhadores da categoria.

Todavia, o SINTHORESP esclarece que NÃO ASSINOU qualquer instrumento coletivo de trabalho ou nota conjunta o sindicato patronal cujo objetivo fosse obrigar os trabalhadores a se vacinarem, sendo, portanto, inverídica a informação prestada pelo canal de notícias do “O Globo”. Já foram pedidas providências à empresa de comunicação para que a informação publicada seja corrigida e esclarecida, porém até o momento não houve qualquer retorno dos responsáveis.

Entretanto, não querendo se furtar ao debate, o SINTHORESP entende que a Constituição tem previsão suficiente para se entender que o trabalhador tem garantia do emprego (art. 6). Ao contrário do que se propõe, a justa causa tem sua caracterização em lei, art. 482, da CLT, sem classificação exaustiva, de modo que não é dado nem ao empregador, nem ao Ministério Público do Trabalho, criar uma outra sem previsão legal.

Também é certo dizer que cabe inegavelmente à Justiça do Trabalho decidir em última instância, diante dos fatos que lhes são levados, a decidir se determinada prática – no caso da recusa em vacinar-se – é ou não faltosa.

E mesmo que o direito de errar em última instância seja dado ao judiciário, até o presente momento também não há notícia de quaisquer providências legislativas que tenham alterado o texto legal que trata das justas causas.

Por fim, mesmo no plano teórico, trata-se de matéria controvertida. Se até agora não se cogitou por lei de tornar a vacinação medida compulsória, como fazê-la por um instrumento coletivo de trabalho?

Sempre é bom lembrar que, antes de tudo, tem o sindicato o dever de solidariedade. O pagamento de uma indenização pelo rompimento do contrato de trabalho não afetará a receita da empresa, mas a perda do emprego, sendo difícil a perspectiva de arrumar outro em breve espaço de tempo, não só humilha o profissional, como atenta contra sua liberdade individual.

Em outras palavras: a empresa tem o poder potestativo de dispensar o trabalhador a qualquer momento, assumindo assim os todos os custos relativos ao ato demissional. Porém, o SINTHORESP é terminantemente CONTRA quaisquer atos empresariais ou entendimentos estatais que consubstanciem na demissão por justa causa de trabalhadores que se recusem a se vacinar.

Uma vez isso consignado, o SINTHORESP faz um contraponto para chegar à uma solução razoável que alcance o núcleo essencial da liberdade individual e da liberdade coletiva.

As premissas para uma convivência harmônica nas atuais circunstâncias foram forjadas no julgamento da ADIn 6341 que, sob o fundamento da competência concorrente, destacou a competência da União para legislar sobre saúde pública, desde que resguardada a autonomia dos demais entes. Nesse aspecto, se há uma necessidade de uma parcela da sociedade para que se delimite as responsabilidades na pandemia, os interessados devem cobrar as unidades estatais e não para entidades de natureza privada, haja vista a patente falta de legitimidade.

Se há alguma consideração a ser feita pelo SINTHORESP, as condições devem ser realizadas sob o juízo de ponderação.

Se faltam as empresas regras que as façam se posicionar diante de um dilema, então que as façam por meio de regimentos internos. Assim, empregador e empregado, aliados aos próprios interesses, podem chegar uma solução consensual, respeitados os princípios de dignidade humana (art. 5, da CF), na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa (art. 170, caput, da CF). Afinal, ao estabelecer suas próprias regras empresariais, tal como a inadmissível importação de cláusulas de países estrangeiros ao contrato de trabalho brasileiro, poderá o empregado vacinado exigir sua rescisão indireta do contrato de trabalho (art. 483, CLT) caso observe a negligência empresarial no controle da vacinação dos demais empregados não vacinados, com base no regulamento interno. Nesse contexto de criação de norma empresarial – criando mais uma regra de justa causa – é que o sindicato se apresenta para, sob outro viés, defender a rescisão indireta nos casos de omissão da empresa que se investiu indevidamente na autotutela.

Se assim mesmo não encontrarem uma solução, o SINTHORESP sugere que sejam considerados 1) caso seja possível, o trabalhador realize o seu labor por home office ou, 2) caso não seja possível, que o trabalhador tenha o seu contrato suspenso, nos termos da cláusula 15 e seguintes, da Convenção Coletiva de trabalho 2021/2023.

Reiteramos que o SINTHORESP envida todos seus esforços para a resolução das questões apontadas, e estamos à disposição para maiores esclarecimentos.

São Paulo, 06 de agosto de 2021

Francisco Calasans Lacerda

Presidente do Sinthoresp

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