STF declara em plenário inconstitucionalidade de dispositivo da Reforma Trabalhista

Rodrigo Trindade

Em julgamento histórico, o Supremo acaba de decidir, em Plenário, pela inconstitucionalidade de dispositivo da Reforma Trabalhista. A partir de hoje, está confirmada a inconstitucionalidade de expressão do art. 394-A da CLT. Estabelece-se a regra de vedação de trabalho de gestantes e lactantes em qualquer ambiente insalubre, sem necessidade de obtenção de atestado médico.

Entre toda a centena de alterações legislativas promovidas pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), a afetação das regras para trabalho de grávidas e gestantes foi a mais infame. No final de abril de 2019, em decisão provisória, o Ministro Alexandre de Moraes proibira a aplicação da norma que autorizava grávidas e lactantes a trabalharem em local insalubre. Decidiu conceder medida liminar para suspender a eficácia da expressão “quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento”, contida nos incisos II e III do art. 394-A da CLT, inseridos pelo art. 1º da Lei 13.467/2017. A liminar foi, agora, confirmada no Plenário do Supremo Tribunal Federal.

Julgamento quase unânime

Como de praxe, o primeiro a votar foi o ministro Alexandre de Moraes, que confirmou sua liminar, pontuando os dispositivos constitucionais violados: art. 7º, XXII (direito à redução de riscos) e art. 227 (prioridade da preservação de direitos da criança e adolescente). A decisão do pedido de liminar estabeleceu-se a partir do assentamento da premissa da proteção constitucional da maternidade como um dos mais importantes estabelecidos pelo legislador originário.

Com essas premissas axiológicas, o magistrado compreendeu que as expressões impugnadas não estão em consonância com os dispositivos constitucionais. Citando precedentes do próprio Supremo Tribunal Federal, identificou que a previsão de determinar afastamento automático da mulher gestante do ambiente insalubre, enquanto durar a gestação, apenas na hipótese de insalubridade em grau máximo, contraria a jurisprudência do STF.

Segundo a votar, o Min. Fachin acompanhou o voto de relatoria, afirmando que não há benesse atribuída às mulheres, mas necessidade de autodeterminação e acesso ao mercado.

Focando em situações concretas, o Min. Barroso declarou ser o dispositivo incompatível com a Constituição, pois viola a orientação de proteção à criança. Também lembrou que há agressão ao princípio da precaução, também agasalhado no art. 7º XXII da Carta Magna.

Em voto longo e fazendo profunda reflexão histórica, a Min. Rosa Weber lembrou que juízes do trabalho gaúchos lutaram pela atuação do Direito do Trabalho no combate às injustiças sociais e reconhecimento de desigualdade material entre os contratantes. Lembrou que a Reforma Trabalhista deslocou o Direito do Trabalho de seu eixo de proteção dos trabalhadores. Reconheceu que há necessidade de contínua atualização, mas a falta do devido debate levou as inconstitucionalidades, como do art. 394-A.

O Min. Fux trouxe novo enfoque, o da organização familiar. Recordou que se trata de valor constitucional e que se estabeleceu embaraço às trabalhadoras no exercício de seus direitos.

Também trazendo situações práticas, a Min. Carmen Lúcia acusou reiteradas retaliações a mulheres grávidas e lactantes.

A afirmação de vedação ao retrocesso social foi a tônica do voto do Min. Lewandoviski. Afirmou que a norma é clara na violação dessa importante orientação constitucional. Cumprimentou a coragem do Min. Alexandre de Moraes de enfrentar o tema e conceder a liminar.

Gilmar Mendes fez voto muito curto, apenas saudando as razões manifestadas pela Ministra Rosa Weber.

O único voto vencido foi do Min. Marco Aurélio, para o qual a Reforma Trabalhista “começa a fazer água”, mas vê com razoabilidade a exigência de atestado médico.

Celso de Mello foi o último ministro a falar e foi quem produziu o voto mais longo, depois do relator. Sustentou que nenhuma norma legal pode suprimir conquistas sociais já consolidadas às mulheres trabalhadoras. Enfatizou o compromisso internacional de proteção ao trabalho feminino e repulsa à discriminação de gestantes e lactantes. No plano infraconstitucional, esses valores não podem ser hostilizados. Também afirmou que o Direito deve atuar no combate à dominação patriarcal, pois contraria os valores da República. Por fim, retomou a orientação de vedação ao retrocesso social, dizendo que direitos sociais e econômicos, uma vez obtidos, passam a ser garantia institucional e direito subjetivo.

Para entender o caso

O julgamento teve por objeto a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5938, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos e teve atuação de diversas entidades, como amicus curie.

A Reforma Trabalhista trouxe novas orientações sobre o tema de trabalho de gestantes e lactantes em ambiente insalubre, passando da severa restrição para quase completa liberação do trabalho insalubre. A matéria foi modificada em três eixos. Primeiro, passando a diferenciar entre gestantes e lactantes hipóteses e encaminhamentos para o trabalho. Segundo, ao separar efeitos conforme os distintos graus de insalubridade a que as empregadas se submetessem. Mas a terceira diferença de regência na matéria é a que provoca maiores discussões: o afastamento automático apenas ocorreria nas atividades insalubres em grau máximo e enquanto durasse a gestação. Nas situações de trabalho em condições insalutíferas de graus médio e mínimo, estabeleceu regra de permanência do trabalho da gestante, com exceção de apresentação de atestado médico recomendando afastamento.

Em relação às lactantes, passou a ser permitido o trabalho em condições insalubres de qualquer grau, com a reserva de hipótese de atestado médico que orientasse apartação.

A nova lei, portanto, alterou diametralmente o vetor protetivo. Passou do então direcionamento de restrição absoluta de trabalho das gestantes e lactantes em local insalubre para o contrário: fixou regra de permissão dessas atividades, temperadas pela exceção do aconselhamento médico restritivo.

A modificação foi imediatamente mal recebida e, ainda em 2017, o Executivo buscou alterar o art. 384-A. A Medida Provisória n. 808/2017 mudou o regramento sobre afastamento da gestante em atividade insalubre, criando o pressuposto que em todas as atividades insalubres (independentemente do grau), a trabalhadora, a princípio, seria deslocada. Determinou, todavia, que a gestante somente poderia trabalhar em ambientes com agentes insalubres de grau médio e mínimo caso apresentasse atestado de médico de sua confiança, do sistema privado ou público de saúde, que reconhecesse viabilidade. Em relação ao período de lactação, não houve alteração na regra geral de permissão de trabalho da trabalhadora, independentemente do grau de insalubridade.

A MP 808/2017 nunca foi analisada pelo Congresso Nacional, de modo que apenas vigorou no período de 14/11/2017 a 22/4/2018. Retomou-se, portanto, o texto aprovado pelo Congresso Nacional.

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